III

1.7K 185 14
                                    

Entrei na loja a correr. Tinha noção do quantoestava atrasado, culpa do meu carro, que resolveu voltar a não pegar esta manhã, por isso tive de vir de metro. Para além disso também sabia que teria de enfrentar Angie depois de um fim-de-semana passado á janela, a olhar para a estrelas e a relembrar o gosto dos seus lábios suaves. Framboesas?

Segui para a dispensa onde pendurei o meu casaco e deixei a minha mochila. Um casal jovem aproximava-se da caixa com algum itens por pagar. Atendi-os, assim como os outros e outros e mais um rapaz…

-

- Bem, eu acho que me vou embora.

Avisou Charlie enquanto olhava para o relógio no seu pulso e dirigiu-se logo á dispensa para pegar o seu casaco. O meu impulso foi segui-lo de imediato.

- Ei! Então e quem é que me ajuda a arrumar aquelas caixas?

Fiquei indignada. Estaria ele esquecido dos estoques que tinha para repor? Acho que não. O ritmo do passo dele aumentou na direção da porta de vidro.

- Desculpa, hoje não posso. A minha mãe, hoje, vai lá jantar.

Saiu disparado como uma flexa. Tinha a certeza de que ele mentira. Ele tinha um plano como um objetivo simples: deixar-me a sós com a Angie. Ele era esperto e tinha a certeza de que se a Angie nos ouvisse se iria logo voluntariar para me ajudar.

- Harry, se quiseres eu posso-te ajudar com as caixas.

E ai tive a confirmação das minhas suspeitas. Eu virei-me, os olhos de Angie brilhavam como astros no céu limpo. Como poderia eu recusar a sua ajuda?

- Obrigado.

-

Vi Angie ter dificuldades em pegar na caixa de papelão. Avancei para a ajudar, ela afastou-se eu baixei-me para apanhar a caixa pesada do chão.

Pousei o peso bruto num carrinho com rodas para que fosse mais fácil passar de prateleira em prateleira e distribuir os discos conforme o seu género.

- Obrigada.

Ela sorriu. Baixei a cabeça e contornei a fila de estantes e voltei á minha posição anterior, no outro lado da estante. Avançava como o meu carrinho e ela com o dela ao som do silêncio da loja vazia. Durante a tarefa inteira tentei evitar contacto visual com ela entre as falhas de discos que era nosso dever preencher. Ela estava bastante á vontade. Teria ela apagado da sua memória o nosso beijo de há alguns dias, beijo esse que foi ela quem incentivou?! Teria sido assim tão mau?!

- Achas que devíamos conversar?

Eu falei e ela olhou-me por entre CD’s.

- Conversar sobre o quê?

Tem falha de memória, só pode! Bem, eu não sofro de nada disso e lembro-me perfeitamente da maneira suave que os lábios dela tocaram nos meus. Foi surreal.

Contornei novamente as prateleiras e encontrei-a a avançar na arrumação já quase terminada. Daquele lado da loja não havia vestígios de remorsos ou culpa, por me ter deixado a sonhar naquela noite e isso incomodava-me!

- Tu…

Ela avançou e a minha boca foi travada pelo seu dedo. Ela olhou-me de uma maneira estranha. Ela lembrava-se bem do sucedido naquela noite, apenas queria que fosse o nosso pequeno segredo e eu preferia sair á rua e gritar às nuvens sobre ele.

- Não precisamos de falar. Somos adolescentes, estas coisas acontecem.

Ela encolhe os ombros e faz-me um olhar de inocência fingida.

O meu olhar aprofundou-se no dela e a viagem pelo seu Mundo não ficava por ali, isso talvez me assustadas, mas também me seduzia. De repente, a mesma sensação que tomou conta do meu corpo na madrugada daquela sexta-feira regressou, assim como os lábios de Angie. Muito suaves, rápidos, sedutores e encarnados. Apenas uma brincadeira, li eu nos seus olhos.

Confundir-me as ideias parecia ser o seu objetivo. Objetivo comprido com sucesso. Com muito sucesso!

- Até amanhã, Harry.

Ela agarrou na sua mala enquanto lambia levemente o lábio inferior que apresentava um esbarrotado da pintura devido á fricção que ele fez contra os meus e já eu caminhava algures em Marte.

Aquela rapariga só fazia o que queria e não conhecia consequências.

-

- Então como foi ontem? Comeram-se?

A temperatura da minha mente desceu até ficar á mesa temperatura que a das cervejas que procurava na geladeira. Nunca a iria usar para mero divertimento.

- Não!

Lancei a garrafa ao Charlie que se sentava no meu sofá.

- Então, pelo menos avançaram?

- Ela beijou-me.

Disse como se não me sentisse vitorioso por dentro, mas o que na verdade sentia era que podia dominar o Mundo. Provavelmente, um beijo de uma rapariga para muita gente não é nada, mas para mim tudo o que venho do lado de Angie, um beijo, um toque, um olhar ou até uma palavra fazem-me sentir incontrolávelmente feliz. Ela faz-me pensar que talvez até valha a pena viver e não apenas existir, tal como tenho feito nestes últimos vinte-e-um anos como ser humano, com poucos pensamentos humanísticos.

- Mas depois ela foi-se embora e eu congelei.

As minhas palavras atuaram como cordas á volta dos braços de Charlie, que se preparavam para festejar o meu triunfo.

- O quê?! Nem uma palavra, um sorriso, um gesto, nada?!

Abanei a cabeça á medida que ele atirava opções de reação. Tudo tinha sido anulado, eu caminhei mesmo por Marte.

- Idiota!

Ele ofendeu-me. Como resposta em vez de direcionar o comando á televisão para mudar o canal, o comando voo velozmente até ao estômago de Charlie que se queixou. Atirei-me para o cadeirão em frente ao televisor.

- O que é que pensas fazer agora?

Charlie bombardeou-me com um pergunta que ainda não tinha passado pela minha cabeça. E agora? Agora vou ter de ganhar coragem para a convidar para sairmos, só nós os dois, sozinhos. Mas, talvez isso seja convencional de mais.

- Ainda não sei.

assim assim » h.s. au [status]Onde histórias criam vida. Descubra agora