IV

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O negócio tinha morrido completamente depois das cinco horas. Observava Angie no balcão concentrada num caderno velho de cabedal preto há mais de meia hora. Contrariei a lógica e aproximei-me lentamente dela. A minha respiração fazia balouçar os seus fios de cabelo dourados e quanto os meus dedos alcançaram as juntas dos seus dedos para os percorrer fi-la arrepiar-se e assustar-se ligeiramente. Ela, desajeitadamente fechou o caderno usado.

- Desculpa, não te queria assustar.

Eu fiquei meio atrapalhado, na minha cabeça aquilo não devia ter corrido assim. Ela levou uma madeixa do seu cabelo loiro atrás da orelha, mas este de tão suave deslizou para a sua visão, novamente. Não se importou.

- Não faz mal, precisas de alguma coisa?

Ela disponibilizou-se para qualquer coisa.

- Oh, eu acho que tu sabes o que eu preciso.

Apliquei umas táticas de engate vistas em filmes e também algumas coisas que o Charlie me ensinou. Mesmo com a franja conseguia perceber que a sua testa estava enrugada. Ela não tinha percebido. Senti-me patético, um palhaço autêntico, nunca mais dou ouvidos ao Charlie, já devia de saber disso.

- Quer dizer… Ah, eu preciso de ajuda ali com uns CD que mudaram de lugar. Podes-me ajudar?

Tentei remediar as coisas. Na minha cabeça a frase completamente esfarrapada soava melhor que dita, mas já estava.

- Oh, claro, sem problema.

Ela avançou no espaço. Eu indiquei-lhe os CD’s que supostamente tinham mudado de lugar.

- Não encontro os CD’s com a letra “S”.

O seu olhar rapidamente me mostrou um letreiro com a letra “S” desenhada atrás de mim. Se pudesse escavava um buraco e viveria lá para sempre. Baixei-me para apanhar os CD’s que organizava e um par de mãos extra juntou-se á tarefa aborrecida.

Olhei para ela e sorri-lhe, ela espelhou-me a expressão. Em metade do tempo concluímos a tarefa, mas como sempre tive de parar para olhar para o verso de um CD e ler a playlist. Foram os The Smiths os eleitos desta vez.

Concentrava-me tão profundamente que nem me apercebi do que Angie estava a falar comigo.

- Desculpa, diz.

Retomei a minha atenção para ela.

- Eu disse que gosto dos The Smiths, tu tens bom gosto musical.

Ela afastou-se lentamente sem nunca perder o contacto visual comigo enquanto cantava tremidamente um verso de uma música da banda que lhe roubou a minha atenção.

“Morrer ao teu lado parece-me uma maneira tão celestial para morrer”

Ela cantarolou um pouco.

- Adoro-os.

Finalizou antes de se voltar e sair de cena.

- Santo Deus!

Murmurei. Ela entendia-me, o Charlie chama-lhes de “bandinha de garagem deprimente”, o Gabe nem deve de sonhar que eles existem e a Bella acha que é só mais uma coisa bizarra a juntar a todas as outras de que gosto, como escrever músicas tristes enquanto fumo á janela do meu apartamento. Pois eu a isto chamo um bom rock britânico com um toque de alternatividade.

Não deixei o meu corpo voltar a congelar, como da última vez e apresei-me a juntar-me a ela no balcão.

- Tens alguma coisa para fazer depois de fechar a loja?

Debrucei-me sobre a madeira. Tinha treinado mil e uma coisas para lhe dizer. Admito que esta não tinha sido a minha eleita, mas serviu e acho que até correu melhor do que imaginara. Pelo menos não me engasguei e a minha voz não soou como uma cana rachada.

- Sim, tenho treino de ballet.

Afinal, não correu assim tão em como eu pensara. As minhas espectativas despedaçaram-se em mil bocados no fundo da minha alma.

- Porquê?

Ela perguntou meia preocupada pela minha expressão de esperança em pó. Inútil.

- Ah, por nada. Apenas… esquece.

Baixei a cabeça, sentia-me um cão abandonado numa estrada longe de casa, sem saber para onde ir. Mas logo recuperei a postura que tanto imaginei na minha cabeça que tinha de ter quando falasse com a Angie

- Então danças ballet?

Mostrei-me interessado. Queria ir longe, mais longe do que algum homem esteve dentro do mundo dela. No seu mundo azul.

- Sim.

- Tenho a certeza de que és brilhante.

- Obrigada.

Ela sorriu timidamente, como uma criança a quem nos apresentamos pela primeira vez e a seguir se esconde atrás das pernas do pai. Ela não tinha as pernas do pai, mas tinha franja que muitas vezes me impedia de ver os seus lindos olhos azuis.

-

- Estão, estás apaixonado pela rapariga que trabalha na loja?

Bella disse enquanto se encostava ao balcão da cozinha. Acho que estar apaixonado, é uma coisa muito forte. Mas eu amo ouvir aquela música e lembrar-me dela, eu amo a forma de como ela me faz sentir. E com ela faço o que está errado e sinto-me bem. Ela faz-me sentir como se nada fosse impossível, nada…

- Sim, tu estás apaixonado! Eu vi o teu sorriso!

Ela riu de felicidade. Num salto abraçou-me com força. Ela queira apertar as minhas bochechas, mas eu bofeteei a sua mão em denegação.

- Bella, para!

 A minha irmã estava feliz por mim. Estava muito feliz, conseguia ver pela forma de como as suas covinhas, aquelas covinhas hereditárias, se cavaram no seu rosto envolto em cabelo de tons ruivos.

- Então, já pensaste no que vais fazer para que ela perceba isso?

Ela erguia as sobrancelhas na minha direção.

- O Charlie disse-me para a convidar para ir beber um copo.

Ela abanou a cabeça negativamente, era logico que ela não concordava com Charlie. Eu precisava urgentemente de um conselho feminino, os conselhos de Charlie nunca funcionaram muito bem, mas eu admiro-o por me tentar ajudar sempre que preciso.

- Não, má ideia. Eu acho que devias de a levar a jantar, mas não pode ser num café de esquina, tem de ser num restaurante bom, mas não muito formal.

Hum, nem muito reles, nem muito formal. Como as mulheres são complicadas! 

assim assim » h.s. au [status]Onde histórias criam vida. Descubra agora