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Depois de muito pensar, avancei. A minha vida, naquele momento, parecia estar dependente da sua resposta.

- Ah… Angie. Eu…

Ela ergue a cabeça e eu fui automaticamente confrontado com os seus olhos de um cinzento mal misturado com azul-marinho, envoltos em pestanas fofas. Quase que fiquei sem folgo. Mas ela continuava á espera que eu continuasse.

- Bem, eu queria saber se gostavas de ir jantar comigo, hoje.

A reação apática dela deixou de rastos, mas logo os lábios de entreabriram e de lá saiu uma língua rosa que molhou os lábios carnudos e vermelhos antes de falar.

- Claro, adorava.

Ela sorriu, adoravelmente. Ai percebi, que quem falou da Primavera sem ver o seu sorriso, falou sem saber o que era.

- Onde é que te vou buscar?

- Ah, não é preciso, eu vou de táxi.

-

Esperava por Angie ansiosamente á porta do restaurante. Tinha vestido a minha melhor camisa, as minhas melhores calças e comprado uns sapatos novos. Graças à Bella sentia-me confiante para falar com Angie, sem me distrair com os seus lábios perfeitos, os olhos profundos ou com a maneira de como ela afasta a franja da frente da sua visão. Ela tinha-me dado concelhos. Regra número um: comer de boca fechada. Regra número dois: não mexer no telemóvel á me…

- Olá, Harry!

A sua voz doce interrompeu a minha última revisão nos concelhos de Bella. Angie estava perfeita no vestido negro e o cabelo apanhado num rabo-de-cavalo fazia impor a franja. A pele impecavelmente lisa, como sempre, uma explosão de brilho nos lábios suaves e fogo-de-artifício de rímel que alongava as pestanas, já naturalmente compridas.

- Estás linda!

- Obrigada.

Ela meio que corou. Apresei-me a abrir-lhe a porta do restaurante. Nunca lá tinha estado antes, tinha feito a reserva por telefone, mas uma senhora de uniforme preto e discreto aproximou-se e indicou-nos uma mesa perto de uma janela enorme que dava para a avenida principal. Puxei a cabeira para Angie, outra das indicações de Bella, ela sentou-se delicadamente. Depressa ocupei a cadeira em frente.

Pretendia começar por falar um pouco com Angie antes de comer, mas ela puxou logo a ementa para a sua frente, acabei por fazer o mesmo. A mesma empregada que nos tinha recebido á porta vem até á nossa mesa com uma caneta e um bloco de notas na mão.

- Para mim é o número sete.

- Eu quero o pudim de caramelo.

A senhora escrevinhou nas folhas pequenas e saiu. O pedido de Angie para ela era natural, mas eu nunca tinha conhecido ninguém que comesse primeiro a sobremesa.

- É alguma condição médica?

- Não, simplesmente não consigo esperar. Quero dizer, e se eu morrer ao comer o prato principal?

Disse credivelmente.

- Qual é a probabilidade?

- É possível! E se eu me engasgar? E se um asteroide vier na direção do restaurante? Eu vou-te dizer uma coisa, se tu jurares pela tua vida que não acontecerá nada, eu espero. Mas primeiro pensa bem, se acontecer alguma coisa, tu vais ter que viver o resto da tua vida sabendo que, não só me mentiste, mas também me negaste a minha última indulgência.

Ela olhou diretamente para mim como se me desafiasse. Bem e estava a fazê-lo. Tentava perceber quando tempo tinha ela estado a pensar naquele discurso todo só para me dizer que ia comer a sobremesa primeiro de qualquer forma.

assim assim » h.s. au [status]Onde histórias criam vida. Descubra agora