Paranoia

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Alguns dias depois de minha chegada eu já estava mais à vontade com todo mundo. Conheci por nome todos os funcionários da mansão, do mordomo ao pessoal da limpeza, fui apresentada às esposas, namoradas, filhas e tudo o mais, e já havia terminado toda a organização inicial da turnê. Roupas catalogadas, entrevistas com os membros feitas, encomendas prontas e ajustes finalizados. Tudo pronto.
Vira e mexe, Betty e Tony apareciam no meu futuro ex-ateliê, me trazendo um café da Starbucks — Deus me ajude... — e se sentando ao meu lado para bater um papo enquanto eu acertava as peças que chegavam ou criava novas. Passamos a conversar sobre um monte de coisas, e eu me senti mais em casa por isso.
Não encontrei com Gabriel estando sozinha nos últimos dias, desde quando eu o deixei, literalmente, na mão. De vez em quando encontrava o segurança quando eu estava provando roupas nos membros da banda ou quando ele acompanhava Betty e Tony na visita ao meu ateliê. Não entendia por que a vocalista e a guitarrista da Sissy Walker precisavam de escolta mesmo dentro da mansão, mas não quis me sentir muito gostosona achando que ele estava ali por minha causa.
Confesso que até certo ponto estava fugindo dele. Não que desejasse ficar longe, mas sim por querer ficar perto até demais, e isso não era profissional nem sensato. Não podia apressar as coisas como fiz no primeiro dia. Agi como uma desesperada, e isso poderia custar o meu emprego, se não fossem as circunstâncias da minha contratação. E se algum funcionário nos pegasse na cozinha e ficasse ofendido? Já não bastava eu ter colocado as mãos em arma alheia, ainda ia brincar de atentado ao pudor?
Além do mais, como diria Luciana, aquela pessoa tão sensata, quem espera mais, saboreia melhor. Eu teria longos meses ao lado do chefe de segurança, para que apressar tudo? Meus dedos mágicos sempre venciam a luta e estavam conseguindo segurar a onda nos fins de noite solitários, então pude sossegar um pouco meus hormônios de adolescente.
Como tudo estava muito bem encaminhado no trabalho, acabei ganhando os dias restantes de folga. Não havia muito o que fazer, na verdade, e no dia seguinte, eu guardaria Magic Manson em sua caixa e terminaria de arrumar a mala, ficando totalmente pronta para o início da turnê.
Munida de uma roupa quentinha, decidi ir relaxar na beira da piscina, quando meu celular tocou com uma mensagem:
"Lena, faz um favor? Estou quase sem bateria no celular e preciso avisar Gabriel q vamos passar na casa de Diego e ñ voltaremos hoje, faz isso para mim? Peça para ele tirar o resto do dia de folga e avise q Erika ficará conosco, ok? Obrigada, bjos! Betty"
— Ué, por que não avisou direto para ele? Porque, aparentemente, ele responde as mensagens bem rápido, ao menos as minhas... — comentei, falando sozinha.
Respondi a mensagem de Betty e brinquei que seu pedido era uma ordem, mas notei que as duas setinhas que indicam que o celular recebeu a mensagem não apareceram, como se o celular não estivesse conectado à internet.
— Será que a bateria realmente acabou e eu estou sendo paranoica?
Encaminhei a mensagem para Gabriel, mas o celular dele também não recebeu, assim como o de Betty, indicando que talvez estivesse desligado.
Ops! Estou realmente ficando paranoica.
Levantei do chão da área da piscina e voltei para a mansão. Procurei por Gabriel em seu quarto, na ala dos funcionários, na cozinha e no salão principal, mas não o encontrei. Pensei em subir as escadas e procurá-lo no andar de cima, mas achei que seria abuso demais, então decidi ir para a cozinha principal, de onde eu teria vista para a entrada da mansão, e fui fazer um café enquanto aguardava.
Ah, café... Não há nada melhor para sossegar meu facho do que café.
Estou nervosa? Café.
Estou com sono, mas preciso ficar acordada? Café.
Estou estressada? Café.
Estou maravilhosamente bem e quero comemorar? Café.
Estou convertendo oxigênio em gás carbônico? Café.
Escolhi a única embalagem que havia no armário da cozinha principal, fervi a água e coei o líquido maravilhoso vindo dos céus diretamente para a garrafa térmica. Inalei o aroma, satisfeita: era tão agradável quanto a outra marca.
Olhei pela janela da cozinha os últimos raios de sol colorirem o horizonte e sorri, me sentindo em paz. Fiquei alguns minutos saboreando o café e olhando o céu, até ver Gabriel vindo da entrada do terreno, perto da guarita de segurança. Era só um pontinho distante no horizonte, mas eu logo o reconheci, e meu coração deu um pequeno salto ao vê-lo.
Que bobagem, Lena, nunca viu um homem bonito na vida? É só o Gabriel!
Acompanhei com o olhar ele se aproximar da mansão até sair de minha vista e escutei atentamente enquanto entrava e ativava o alarme da casa.
— Gabriel! — gritei antes que eu o perdesse de vista de novo. — Vem cá, na cozinha!
Gabriel apareceu alguns instantes depois, o rosto rígido.
— Lena? Aconteceu algo? — perguntou, se aproximando com a postura ereta e os lábios cerrados.
— Não, mas vai acontecer, se você não parar de apertar tanto o rosto. Vai encher de rugas antes da hora — brinquei antes de tomar um gole de café. Sorri ao vê-lo relaxar o rosto. — A Betty mandou te avisar que não vai voltar hoje. Ela e Tony vão para casa de Diego e só voltam amanhã, ok? A Erika vai cuidar da segurança deles, assim como o segurança lá de Diego, que não lembro o nome. Como o resto da banda está espalhada e você é chefe de segurança da Sissy Walker, você está oficialmente...
— De folga, entendi — ele completou, ainda sério, mas havia um brilho de humor em seu olhar. — Recebi sua mensagem quando liguei o celular. Ele travou, precisei reiniciar, por isso não respondi imediatamente.
Isso explicou ter ativado o alarme da mansão ao entrar: ele já sabia que ninguém voltaria para casa. Em seguida, Gab deu a volta na bancada para pegar uma caneca no armário, se sentou na minha frente e colocou café até a borda da louça.
— Você toma muita cafeína, Segurança! — disse enquanto bebia o restinho do meu.
Gab me deu um sorriso que dizia "olha quem fala" e fez um gesto com a garrafa perguntando se eu queria mais. Estendi a caneca e balancei a cabeça afirmativamente.
Tomamos nossas canecas cheias em silêncio até Gabriel me perguntar com a voz séria:
— Terminou suas tarefas?
— Sim! Demorei um pouco mais porque perdi um tempinho organizando a bagunça que a filha de Jim fez. Ela deixou meu pote de botões escuros cair no chão e, de quebra, derrubou o pote de botões claros em cima. Foi uma delícia separar um por um... — comentei, fingindo cansaço.
Gab sorriu, comentou que adorava a pequena, me fazendo achar graça. Ora bolas, Gabriel era um armário de um metro e noventa e cara de desinteresse eterno. Era curioso que ele gostasse de crianças, ia contra sua imagem de malvadão.
— O convite ainda tá de pé, Segurança? — decidi perguntar casualmente depois de algum tempo em silêncio.
Gab franziu as sobrancelhas, me questionando sobre qual convite eu me referia.
— Ora, o único que você me fez. Aquele de casar, ir morar numa casa com cerca branca... Ué, não foi um convite? Meu Deus, eu já até comecei a costurar meu vestido de casamento!! — brinquei, fingindo afetação, colocando a mão no peito de forma teatral.
Gabriel arregalou os olhos, mas riu em seguida.
— Conhecendo você, sua roupa vai se resumir a um monte de saia de balé por cima de uma cinta-liga e uma calcinha com estampa esquisita.
Coloquei a caneca vazia em cima da bancada e quase me engasguei com o restinho de café, de tanto que ri.
— Olha, você sabe que tule é um dos meus tecidos preferidos! Que bonitinho, Segurança! Mas eu nunca me casaria com um vestido feito de tule. Até porque casar não faz parte dos meus... — interrompi a declaração, seria muito broxante conversar sobre matrimônio quando eu só pensava em bolagatos naquele momento. — Bom, eu vou para o meu quarto colocar uma calcinha de estampa esquisita, já que a que eu estou usando derreteu só de você me olhar desse jeito.
Gabriel me deu um sorriso de canto de boca e parou de encarar o meu decote.
— Vai colocar uma cinta-liga também? — ele perguntou com a voz rouca enquanto eu lavava a caneca na pia e me virava para ir embora.
Virei o rosto em sua direção, depois o corpo e fui andando de costas até a porta da cozinha.
— Não sei, Segurança. Por que não vem conferir? — mandei um beijinho com uma pose blasé e me virei antes que batesse as costas em algum lugar e arruinasse o clima maravilhoso que estava rolando.
Saí do ambiente e fui rumo à ala dos funcionários, sabendo que o segurança viria atrás de mim em poucos minutos.

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