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Ela se foi. Deixou-me um cheiro de perfume francês entranhado por toda casa, muita saudade e um livro de seu poeta favorito: Manuel Bandeira. Oh, como foram dolorosos os dias que se seguiram após sua partida. Não haviam motivos que explicassem o que aconteceu, ela se foi como quem dá adeus no meio de uma conversa agradável e sai correndo. Sofri. Sofri demais. Só Deus sabe o quanto aquela mulher desgraçou meus dias. A todo instante eu me agarrava as memórias que tentavam sobreviver intactas ao turbilhão de raiva e inconformidade que assolavam meu peito. Algum tempo depois, decidi ler o livro surrado que ela havia me deixado como herança no falecimento de nosso romance. Com afinco folheei o velho livro e, página após página, para minha surpresa, fui me descobrindo uma amante da poesia. Que gênio era aquele Bandeira! Poeta dos bons, sabia usar as palavras.

Certo dia, já um tanto reestruturado de minha derrota, resolvi dar a cara à tapa e escrever alguns versos para ela. Com o livro do Bandeira ao meu lado, como quem carrega um amuleto ou coisa assim, dediquei-me a escrever um breve poema que expressasse meu amor por ela. Não foi difícil, confesso. Os versos fluíram com uma facilidade imensa, era como se os deuses estivessem lá dos céus impondo suas mãos sobre minha cabeça e me entregando toda a inspiração necessária para compor a tão desejada Ode:

"És meu amor,
minha alegria,
a flor que inspira
minha poesia."

Olhei para o caderno rabiscado e senti orgulho de mim mesmo, pelo menos alguma coisa boa aquela mulher maldita havia me deixado. Agora, eu era um poeta. Quem sabe, no futuro, seria um cara renomado como o Bandeira e serviria de inspiração para alguma vítima de amores malogrados.

Não pensei duas vezes, rasguei a folha do caderno e corri até a casa dela. Eu precisava entregar os belíssimos versos que tinha escrito, quem sabe assim, ela perceberia o quanto eu a amava.

Cheguei até a sua casa, empurrei o dedo na campainha e esperei a resposta. Alguns segundos depois, ela me apareceu na porta vestida num roupão puído, com um semblante não muito satisfeito. Não hesitei, entreguei-lhe a folha e animoso esperei uma reação. Compenetrada, ela leu os versos que descansavam harmonicamente na folha, e de repente, assim, sem mais nem menos, se lançou inteira em meus braços e me deu um beijo cheio de paixão.

- Eu te amo, Osvaldo! Sempre amei!
- Que magnífico, Joana! Mas eu não a amo.
- Como assim, Osvaldo? O que significam estes versos então?
- Ora, é a declaração amorosa de um eu-poético para sua amada. Nada mais.

Ela me olhou profundamente nos olhos e senti um misto de ira e confusão. Dei as costas e fui embora...

Alguns amores não valem mais que quatro versos mal escritos.

- Ítalo Jardim

Entre Linhas E Reticências (...)Onde histórias criam vida. Descubra agora