Fatos

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Cheguei à sede cedo, apesar de já ter feito mil coisas hoje. Fui direto pra minha sala e, enquanto seguia com meu trabalho, aos poucos os espaços iam ficando mais cheios e os corredores mais movimentados. Lá pelas dez a Nice veio me ver com uma xícara de café na mão. 

-Menina, você fica longe um dia e isso aqui vira um tédio - fala me entregando o café.

-Leu meus pensamentos! - sorrio agradecendo e segurando a xícara - e então Nice, a sua segunda-feira foi tão produtiva quanto a minha? por que olha, ontem o trabalho rendeu viu ~sqn~.

-Por que, mulher? chateação com os meninos? - pergunta Nice reconhecendo o meu sarcasmo. 

-Não, os meninos são ótimos, só que ainda estamos nos afinando com algumas particularidades do serviço, é meio complexo de explicar.. - falo sem muito entusiasmo.

-Nem me explica mesmo que deve ser um saco esse trabalho de vocês. Mas aqui as coisas não estão tranquilas também não. 

-É? o que houve ?

-Lembra da recepção que estou organizando pra apresentar a força tarefa? - fala diminuindo o tom de voz.

-Lembro sim - falo chegando mais pra frente tentando ouvi-la melhor.

-Então, a lista de convidados chegou ontem, veio lá de cima. Acontece que, pelo que sabemos, nessa lista tem o nome de muitos figurões que estão sendo investigados por esquemas grandes e que, provavelmente, também estarão envolvidos nesse em particular. 

-Como assim, gente? fiquei confusa!

-Imagine eu. O fato é que nós não podemos mexer nessa lista, nem pra tentar entender por que essas pessoas estão nela. O único que poderia fazer alguma coisa seria o Dr. Carlos, mas ele está de licença essa semana e não quero mandar pra casa dele um problema como esse, de lista de convidados. 

-Licença, é? - falo buscando minha melhor voz casual ~como assim licença, gente? - grito internamente~

-Você não soube, né? claro que não, não estava aqui ontem - Nice da um tapinha na própria cabeça - Mulher, rolou uma bad seríssima com o filho dele no final de semana, houve até suspeita de sequestro, mas no final o menino foi encontrado e estava tudo bem, mas ainda assim ele achou melhor se afastar um pouco né, afinal ele cuida do filho sozinho. 

CALMA!  por. onde. começar?

- Nossa! coitado! - foi a única coisa que consegui dizer.

-Pois é! Gatann, já fofoquei demais e agora preciso trabalhar. E ai, almoçamos juntas?

-Sim, claro! E quero mais fofocas - rio e ela ri de volta fechando a porta.

Obvio que na hora do almoço tentaria tirar mais informações da Nice, o que não iria ser tão difícil afinal ela adora contar mesmo. Gosto na Nice, mas tenho que sempre me policiar pra não falar certas coisas na frente dela, não que eu ache que faça por mal, mas quando ela vê já falou. É um pouco engraçado até, mas ao longo da minha vida comprovei que quanto menos se fala, melhor. 

Como previ, Nice me deu todas as informações que sabia sem que eu tenha feito muito esforço. Contou que o filho do Carlos desapareceu no sábado a noite (pois é!) e que foi encontrado na mesma madrugada e bem, os detalhes porém ela não sabia. E que, por esse motivo, ele havia pedido licença de uma semana pra ficar com o filho após o trauma. 

Sobre ele cria-lo sozinho não tive como perguntar, me recriminei por já estar me intrometendo demais na vida de alguém que mal conheço. Mas essa informação por si só já induz muita coisa: se ele cria o filho sozinho, provavelmente não é casado. ~Ahh Ana Rita - me repreendo - o que importa se ele é casado ou não? esquece esse homem! ~. Enfim, me repreender internamente não adiantou de nada, descobrir o que havia acontecido pra ele ter saído daquele jeito do estacionamento só me fez pensar nele ainda mais, e imaginar que ele não teria me deixado naquela noite se algo tão sério não tivesse acontecido. Só de imaginar que poderíamos ter continuado o que começamos me deixa sem ar. ~Vamos mocinha, pare de imaginação e volta ao trabalho  - penso já me voltando pro computador~.

Minha tarde foi mais improdutiva que a do dia anterior e começo a pensar em maneiras menos convencionais de enfrentar esse problema. É quando tenho uma ideia, mas que constato precisar de ajuda pra executar. 

-Fala Tata - o Fab atende do escritório.

-Fab, tava aqui pensando, esse problema que temos nas mãos é um beco sem saída, isso é fato. 

-Até que enfim você admitiu.

-Pois é! Então, precisamos tentar resolver por uma outra abordagem, uma que não seja muito tradicional se é que você me entende. 

-Mais ou menos. 

-Nem eu mesma sei bem por onde começar, mas preciso de informações jurídicas em primeiro lugar. 

-Ótimo, você está no lugar certo então.

-Não, preciso de alguém de fora, mais precisamente um advogado que seja perito em regulação bancaria. 

-Hum, bem específico. Mas acho que talvez conheça alguém que conheça alguém. 

-Foi isso que pensei, gatooo! vê isso pra mim o mais rápido que você puder. Tô com um feeling aqui que acho que vai dar certo. 

-Você que manda! Mas e até esse feeling dar resultados, continuados com nosso engodo?

-Sim! Tô analisando um novo pacote de dados que chegou há pouco, aparentemente menos corrompido que os anteriores. Talvez consigamos alguma coisa.

-Tomara! Estou acabando de analisar os últimos aqui e parece que nem tudo foi inválido, vamos ver. 

-Tudo bem gatinho, a gente se fala a noite. 

-Beijo, Tata. 

A semana se passou sem muitas mudanças, continuei com o trabalho que pareceu render um pouco mais e na sexta-feira só pensava em poder dormir até mais tarde no dia seguinte. Já estava no final da tarde quando me dirigi à cafeteria para pegar meu último café do dia, as salas já estavam praticamente vazias e faltava muito pouco pro expediente terminar. Infelizmente, por não querer levar trabalho pra casa, resolvi ficar até mais tarde e finalizar algumas coisas. Só não imaginava quem estaria na salinha pegando café nesse exato momento.

Após ficar petrificada na porta, ficamos nos encarando por um tempo definitivamente maior que o necessário até que finalmente ele pigarreou e disse:

- Boa tarde, srta Ribeiro. 

E me esforçando ao máximo pra não gaguejar...

- Boa tarde, Dr Carlos. 





Segundas-feiras e Outros DesastresOnde histórias criam vida. Descubra agora