Quando encontrei o jarro na "feira do rolo" algo gritou em mim. Na verdade, foi o jarro que me encontrou.
Era domingo de manhã. Não muito de manhã. E aqui, pertinho de casa, umas quatro ou cinco quadras, como em todos os domingos, tem a "feira do rolo".
Em alguns lugares chamam de "feira da barganha", "feira da troca", mas aqui todos conhecem como "feira do rolo". Há os engraçados que chamam de "shopping chão". Muita gente vende de tudo. Tralhas, roupas usadas, peças de carro, utensílios domésticos quebrados, plantas, objetos contrabandeados, CDs, DVDs... Você entendeu.
De vez em quando pego uns trocados e vou até lá. Já achei livros raros, vinis, ferramentas... Tem uma tia que faz um caldo de cana com gengibre que é um espetáculo! Cura qualquer ressaca. Já percebeu que não me importo de estar entre os populares. Na verdade eu gosto bastante. Faz com que eu me sinta vivo. Um pouco mais vivo.
A feira é uma espécie de ode à sobrevivência no mundo subdesenvolvido. A pobreza em forma de poesia visual. A diversão da periferia, da classe C, D e E que não está nem aí para os últimos editoriais de moda da Revista Vogue e que não se importa se o produto é original ou não, desde de que este funcione. Não pergunte ao vendedor de onde veio o produto que ele está vendendo. Talvez você não queira saber a resposta. Talvez ela seja demais para você.
Se você tem um tanto de capital cultural, vai olhar para a "feira do rolo" como um museu ao ar livre. Não de arte, muito pelo contrário. É tudo muito feio, gasto, desestruturado. E tudo forma uma espécie de exposição, uma instalação artística que fere o observador pelo tom de pobreza e desapego em relação a montagem de cada banca e barraquinha. Além de passar por uma verdadeira galeria de antiguidades populares, nada velho o bastante para atrair um colecionador, nada novo o bastante para não causar uma espécie de nostalgia para quem é um pouco mais velho. Para quem vende o produto é um objeto e pronto. Não penso assim.
Há histórias por trás de cada objeto que só uma mente aberta pode imaginar ao observar. Gosto de pensar nisso. Qual a história da boneca com a cara rabiscada a caneta? Em qual a ocasião ela foi comprada? Qual a reação da criança que a ganhou? Quantas aventuras e desventuras ela viveu? Como ela foi parar naquele tapete, estendido em meio ao asfalto junto a tantos outros brinquedos? Apesar que pensar em histórias de brinquedos é fácil. Mas e um toca-discos velho? O homem que o vendia por Cinquenta Reais disse que havia sido seu por mais de vinte e cinco anos. Quantas canções ele tocou? Embalou romances? Embalou festas? Será que casais foram formados ao dançar agarradinhos? E um alicate de pressão? E em uma porca enferrujada. Eu penso nessas histórias. Viajo na maionese bebendo caldo de cana e olhando os objetos e imaginando suas histórias! É óbvio que já ouvi muitos "E aí, vai comprar?" com um tom nada gentil.
Um domingo desses eu vi um jarro de metal. Devia ter desconfiado um pouco mais da sua história.
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MORTOS-VIVOS!! O Mistério Do Jarro
TerrorJoão Roberto mora em uma república com amigos, é frustrado com o seu trabalho e um desastre na vida amorosa. Distante de seus pais e sem fazer questão de maior proximidade, descobre algo assombroso na história de sua família. Em um domingo de man...