Na Casinha dos Sete Anões

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 Enquanto isso, no interior da pequena casa e fora do universo onírico de Cindy:

-Mas era só o que faltava: invasão feminina em nossa casa! - queixou-se Zangado, com sua voz fanhosa e tom rabugento.

-Uma mulher para cuidar da gente e da casa! - suspirou Dengoso.

-Ela pode nos trazer algum tipo de peste. - falou em libras, Dunga.

-Que não seja gripe... a... a... atchim! - espirrou Atchim.

-É uma pedra preciosa! - comemorou, Feliz.

-Vendo tão linda moça dormindo, sinto vontade de deitar-me ao seu lado e dormir também - disse Soneca.

 Após o último lapso obscuro, Cindy foi tragada por um feixe de luz, que gradualmente se abria. Estaria fazendo a passagem? Iria despertar no paraíso? Cindy sentia desconhecidas paz e plenitude. Ao abrir os olhos, avistou sete cabeças inclinadas em sua direção. Catorze olhos a fitá-la. Seriam anjos? Seriam deuses?

-Atchim!

-Existe gripe no céu? - perguntou Cindy.

-Oh, linda visitante! Nossa casa, embora modesta, é realmente aconchegante. Mas 'céu' já é muita gentileza de sua parte. - respondeu Feliz.

-Oh, sinto-me confusa...

-Se fosses a única, esclareceríamos tudo! - respondeu Zangado.

-Que dia é hoje?

Dada a resposta, Cindy constatou  seu despertar pós efeito da poção.

-O príncipe veio ao meu encontro?

-Então, és uma princesa!? – calou com ironia, Zangado.

-A guarda real vem circulando pela floresta. Nós os evitamos, pois não podemos pagar os altos tributos cobrados pelo rei...

-Ssshhh, Dengoso! Não lhe dê ouvidos, senhorita. – ponderou Mestre, envergonhado.

-Não se preocupem. Será nosso segredo.

-Uma princesa generosa!? - seguiu Zangado.

 Cindy pediu-lhes abrigo temporário, pois precisava digerir as últimas recordações. Os anfitriões aceitaram desde que ela também cuidasse deles. E, sendo ela moça prendada, costurava, cozinhava, limpava e decorava com flores a pequena casa.

 Antes de seguir ao trabalho, os anões alertaram à donzela dos perigos da floresta: temíveis lobos, serpentes, ursos selvagens, andarilhos, ladrões, falsas videntes... Também lhe instruíram a não abrir a porta para estranhos, sob nenhum pretexto. Cindy não era tão ingênua quanto afigurava. Ela conhecia o lado obscuro dos homens. Das mulheres também.

Certo dia, enquanto os sete anões garimpavam na gruta, bateu à porta da casa uma simples velhinha. Estava combinado que Cindy não abriria a porta a estranhos. Quanto às janelas, nada haviam dito. E, uma vez aberta a janela, o que lhe era estranho deixaria de ser.

-Olá, linda princesa.

-Princesa? Como tão simples senhora saberia? - sussurrou Cindy.

-Digo: uma jovem tão linda quanto você, é digna de ser nomeada 'princesa'.

-Que gentil senhora. Aceitarias entrar para tomar um chá?

-Ah, não. Os anões podem voltar... Digo: são tantos 'nãos' que ouço pela floresta, que fico constrangida...

-Ah, não seja modesta, velha bru... Quero dizer, velha amiga.

-Oh, só passei mesmo para oferecer-lhe uma doce e vermelha maçã, tão vermelha quanto teus lábios.

-Só aceitarei se me deres a honra de adentrar minha humilde casa.

-Se fazes tanta questão...

A senhora batia os joelhos nervosa, enquanto Cindy preparava, calmamente, o chá.

-Posso escolher a maçã de seu cesto?

-Sim, qualquer uma...

-Hunmm... Partilharias comigo o pecado de comer do fruto proibido?

-Oh, não. Já estou farta de comer maçãs. No mais, a idade avançada torna a digestão mais lenta, de modo que quase não sinto fome.

-Ah, por favor! Amigas devem partilhar todos os momentos.

-Bem, a experiência ensinou-me que amizades requerem espaço, respeito e liberdade...

-Só uma mordidinha, eu imploro! Em nome de nossa amizade.

-Chata, eu não sou sua amiga!... Digo... Amiga, eu soo muito ao tomar chá...

-Assim tu me entristeces. E eu não gosto de ficar triste! -Cindy olhava fixamente nos olhos da senhora, que já apresentavam um leve tique nervoso.

-Creio que devemos seguir tuas regras, já que eres tu a anfitriã. – disse a senhora com dentes semicerrados- Vás tomando o chá que preparaste com tanto carinho. O tomarei assim que se esfrie.

-Veja! Já o tomei. Não pensaste que o havia envenenado, ou sim? Eu jamais faria mal a uma bru... Digo, a uma boa e indefesa senhorinha como tu. Agora, insisto que dês a primeira mordida na maçã ou terminarei por pensar mal de ti.

A senhora pegou uma maçã, levou-a até a boca e caiu 'desmaiada' antes de mordê-la. As demais maçãs do cesto caíram e rolaram ao chão. Em poucos segundos, abriu os olhos e ergueu-se em sobressalto.

-Oh, jovem donzela, podes informar-me de onde estou?

Cindy nada respondeu, acompanhando-a gentilmente à porta.

-Digas ao príncipe onde estou. Se não o fizeres, irei ao castelo pessoalmente e a denunciarei por atentado direto à realeza.

A senhora apressou o passo e desapareceu em meio às árvores da floresta. Cindy temia que o ocorrido fosse um atentado maligno de Madalein. 

Pelo Andar da Carruagem - O Lado Oculto dos Contos de FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora