No Castelo de Caras e Bocas

4 0 0
                                    

  Cindy e Princy viajaram para um compromisso no 'Castelo de Caras e Bocas', onde estaria reunida toda sorte de gente da high society: rainhas loucas, reis perversos e pervertidos, escritores e pintores dos costumes da época, guerreiros, bobos da corte, conselheiros reais e um cardeal.

   A viagem tinha sido longa, e ventava muito. Cindy chegou à ilha descabelada. Na entrada, haviam retratistas de personalidades. Um deles traçou rapidamente a pessoa da princesa. Ao dia seguinte, ela era imagem pública e, portanto, fonte de inspiração estética às mulheres presentes, que se descabelavam, literalmente, para seguir a 'nova moda'. Eis o lado divertido de ser famosa. Mas diversão não era a causa da viagem, mas sim, o exercício da diplomacia. O evento, ainda que glamoroso, tinha por objetivo formar alianças, evitar guerras e gerar conflitos. Afinal, onde poucos defenderem interesses próprios, haverá sempre muitos prejudicados. E o contrário também.  

   No último baile da temporada, Princy presenteou a esposa com uma joia de família: o anel herdado da tataravó, uma dentre tantas rainhas loucas. O anel ficou largo no anelar de Cindy, mas encaixou-se perfeitamente no dedo indicador. Embora vislumbrante, a joia era pesada. Talvez o fosse pela carga histórica que trazia consigo. Por quantas mãos teria passado a mesma gema que, agora, ornava seu dedo? E que relevância teria isso, agora? A mente de Cindy borbulhava. Expor-se a tantos desconhecidos em um momento que deveria ser privado, íntimo e particular, queimava sua face. No fundo, algo menos racional a incomodava. Afinal, o que representava aquela joia em formato circular e considerável peso? Um vínculo definitivo entre ela e a família de Princy. Aparentemente, nada novo. Simbolicamente, o momento de decidir entre passado e presente, julgar e perdoar, viver como espectadora ou jogar-se no emaranhado da vida, entre gentes, erros, paixões, lutas, misérias e, sobretudo, amor. Receber o abraço anelar e abraçar a vida. Sim, Cindy acabava de receber um xeque-mate. E, sendo seu objetivo mover-se como rainha do próprio tabuleiro, teria que mexer algumas peças do jogo.

-Cindy, estás bem?

"Sim!" - A princesa estava perplexa. Voltando a si, olhou às pessoas ao redor. Havia uma diversidade de expressões: pedantes, recalcadas, afetadas, vislumbradas e sinceramente simpatizadas. Um duque sugeriu que a princesa se apresentasse fazendo discurso, ao que ela improvisou:

-Devo citar a célebre frase de um autor desconhecido: "E quando creio ser algo, perece meu fugaz estar!".

"Bravoo!". Alguém da 'plateia' aplaudiu fervorosamente. Os demais seguiram o ato. Outra vez a face de Cindy corou em chamas. Sentia-se a princesa mais estranha da noite. O próprio constrangimento se parecia a uma mãe – ou madrasta - interna e opressora a criticá-la. Mas é dito que um 'gambá fareja o outro', logo, não há estranho no mundo que não encontre um tão estranho quanto ou até mais do que ele.

"Honrado, sou Roger". Roger vestia-se ao estilo retro, embora o penteado fosse inovador. É quase regra que os excêntricos optem por personalizar a estética da própria cabeça. Das ideias também.

-Adorei tua fala. Também acho uma chatiiiice explicar-me em público. Como posso explicar o que nem eu entendo? Ahaha. Mas estou curioso: Quem foi o desconhecido autor da célebre frase?

-Eu, de improviso. - Cindy tinha a expressão grave e levemente irônica. Esta nuance se fazia perceptível apenas a olhares atentos.

-Ahaha... Pouco a pouco entenderás a dinâmica dessa gente. Aqui, estão reunidos o grupo que se intitula sangue-azul, o grupo dos nascidos em berço de ouro, o grupo dos ascendentes e alpinistas sociais... E eu integro e represento o grupo dos desajustados.

A noite passou entre risos e um humor picante. Conversas vãs de prováveis novos amigos.


Pelo Andar da Carruagem - O Lado Oculto dos Contos de FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora