Os Sapatos da Moça Perdida

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"Talvez a bondosa senhora tenha sido outra vítima das armações de Mad. Quem sabe uma antiga e sincera pretendente de meu pai, embora mais velha do que ele. E daí? O amor não tem idade", pensou Cindy. Fosse por compaixão, vingança, ou ambos os motivos, Cindy entenderia a força dada, como um regalo da vida.

-Não é ela a dona do sapato! - interrompeu Cindy em alto e bom tom de voz - Trago comigo o outro par. Vejam como me cabe perfeitamente.

A madrasta lançou lhe um olhar mortal. O príncipe a reconheceu de imediato. Sua expressão abatida e decepcionada acabava de iluminar-se pela feliz surpresa.

-Neste caso, provemos o par que trago, apenas para cumprir com as convenções.

O príncipe estava entusiasmado. Mad lançou ao chão o par que detinha, de modo a quebrá-lo. Em seguida, tentou arrancar do pé da enteada o outro par. Ela estava incontrolável. Fez-se necessária que um cavaleiro a puxasse pelo topete, como meio de apartá-la de Cindy. 

-Ora, era só o que faltava. Essa aí tornar-se...

Princy lançou-lhe um olhar reprovador, pelo que Mad recobrou certa compostura.

-Oh, desculpem-me. As ondas de calor também alteram meus humores.

-E seus cabelos também, mamãe. - uma das filhas tentava avisá-la de seu aspecto descomposto.

-Já te reconheço, pequena. – Como se filmado em câmera lenta, o príncipe dirigia-se à Cindy. -O tamanho do pé nunca foi o ponto da questão. Deixo tal fetiche aos amigos do oriente.

Cindy sentiu-se aliviada por não precisar calçar os incômodos sapatos de cristal. Simultaneamente, sentiu medo da felicidade. É normal temer o desconhecido. Sensações à parte, restou-lhe usar a razão e aceitar de braços abertos a boa sorte, ou o que se pode denominar destino.

-Com vossa licença, gostaria de falar a sós com minha princesa.

-Claro que sim! Vejam que bonito casal vocês formam... - gaguejante, a madrasta tentava camuflar os maus sentimentos, embora fosse friamente ignorada.

-Então, és tu?

-Sim, sou eu. Sem make, style ou glamour, sou eu.

Princy segurou as mãos de Cindy, sentindo-as calejadas. Virou-as para ver bem as maltratadas palmas.

-Bem, a senhora que se disse dona do sapato é minha madrasta. Poucos meses após seu casamento com meu pai, ele morreu. Foi uma morte trágica e obscura, eu diria. O fato é que, desde então, sou encarregada de todos os afazeres domésticos da casa.

-Oh, minha princesa. Tudo isso é lastimável. Venha comigo. Seus dias de sofrimento terminaram.

Nesse instante, o príncipe considerou os calos emocionais que a princesa levaria para todo o sempre...

-Marquemos a data do casamento! - Princy o disse em tom entusiasta, intentando levantar o clima. Casemo-nos em uma semana.

-Bem, pensava em pouco mais que um semana. Duas, talvez.

-É muito para mim. Dez dias, então.

-Dez dias. - Respondeu Cindy.

-Dez dias e nada mais. – Retrucou Princy.

O casal ensaiou um beijo de acordo e despedida. Titubearam, dançaram as cabeças desordenadamente, bateram os narizes e, afinal, beijaram-se. Foi um beijo desajeitado, rápido e tímido. A prática viria com o tempo. Sem nada dizer, Princy bateu palmas três vezes, sendo prontamente atendido pela cavalaria. Escoltado, ele partiu.


Pelo Andar da Carruagem - O Lado Oculto dos Contos de FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora