A Velhinha das Maçãs

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Cindy dirigiu-se aos portões frontais. "Deixem-na entrar desta vez. Sei que não será tola para causar-me dano."

-Ah, obrigada. És toda uma ladie. Digna de ser chamada princesa. Como tua mã...

Cindy indicou o caminho à varanda.

-A senhora citou minha mãe. Acaso a conheceste?

-Mais que isso. Fui sua progenitora.

-Estás a dizer-me que és minha avó? Mas, aquelas maçãs...

-Fizeste mau juízo de minha pessoa. As maçãs não estavam envenenadas. Eram maçãs encantadas.

-Que tipo de encanto continham?

-O encanto do amor. Só tentava garantir que o amor do príncipe por você se estendesse por toda a vida. Por isso, fingi desmaiar para não comê-las ou poderiam surtir um efeito inesperado...

-Ele se apaixonaria pela senhora? - Gracejou Cindy.

-Ahaha... O amor não é tão cego. O encanto só intensifica o que está latente.

-Desde quando fazes feitiço?

-Feitiços não, magia. Acaso reconheces apenas minha face bruxa? A senhora pôs-se de perfil, orgulhosa por desvelar um segredo. 

-Hunmm...Tu és também... a fada madrinha!?

-Que tal? - insistiu a senhora em apresentar um só lado de sua face..

Cindy riu e bateu palmas. Em seguida, seu semblante se entristeceu.

-Por que me abandonastes?

-Para Madalein, minha presença representava o passado. Mas negar o passado é como caminhar sem bússola pelo deserto. Só quem sabe de onde veio, saberá aonde ir. Repetir meus erros fez dela alguém igual ou pior do que eu.

-Tenho poucas lembranças de minha mãe.

-Sua mãe tinha um coração de passarinho. Ela era frágil demais para este mundo.

   Neste instante, ambas encheram-se de comoção, como se houvesse passado ali o sopro de uma vida que se ausentou. Abraçadas, elas choraram as dores partilhadas.

-Preciso ir!- A senhora ergueu-se desajeitada e sorrateira, e caminhou o mais rápido que pôde.

-Não se vá! - gritou Cindy.

   Mas a senhora fugia determinada, como se em qualquer instante sua imagem pudesse desfigurar-se, ou sua forma física pudesse transmutar-se em energia sutil. 

-Já indo, volte para tomar um chá. Caso queira, venha viver comigo. O castelo é grande e há um quarto com banheiro privado para a senhora.

   A senhora apenas virou-se para acenar em despedida. Havia em seus olhos a tristeza de quem muito viveu, e em seus lábios a satisfação de dever cumprido. Cindy percebeu nos passos da avó o cansaço da velhice. Temeu que aquele fosse o último encontro entre as duas.

-Obrigada! - gritou Cindy à senhora já mais para lá do que para aí, onde lhe caberia crescer só, sem pai ou avó. 

Pelo Andar da Carruagem - O Lado Oculto dos Contos de FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora