PARTE 2: Como é viver com tudo isso?

657 51 16
                                    

Pra resumir em 1 palavra, é DESESPERADOR. Saber que terá um ataque de pânico a qualquer momento já me causa um ataque de pânico. Consequentemente, apesar de todos os meus esforços, sair e me divertir é algo que não me atrai, prefiro mil vezes meu quarto e um livro. Há lugares que eu quero muito ir, e pessoas com as quais quero muito sair e me divertir, mas não é fácil. Essa coisa de sair e socializar, para mim, é o cão. Mesmo quando eu quero muito, sofro muito antes, planejando cada detalhe, pensando em tudo o que pode dar errado e como me sair nessas situações. Me sinto fisicamente doente, chega um momento em que não é mais possível disfarçar os tremores e suores, falta de apetite, dor de barriga.

Uma coisa engraçada (trágica) é quando me convidam para sair para comer. Tenho vontade de gritar HELLOOOO, não sabe que quando fico ansiosa não consigo dar uma mordida nem na comida mais gostosa do mundo?! Por isso já recusei muita coisa e me passei por metida ou nojenta, antisocial etc.

A comunidade online The Mighty - website com histórias reais de pessoas que sofrem com alguma doença mental - pediu para seus leitores com ansiedade para enviarem algo que gostariam de dividir com seus amigos. O resultado é lindo e verdadeiro. Gostaria de comentar alguns itens aqui:

"Pode parecer irracional para você, mas os meus motivos de ansiedade são bem reais para mim." Sim, parece mesmo irracional, bobo, estúpido, idiota. Mas eles me assustam tanto... Assustam a ponto de impedir que eu faça coisas que gosto ou preciso. A ponto de eu perder minha identidade e viver escondida, bem longe do mundo todo. Cada pessoa tem seus medos e temores, portanto acredito que seja errado decidir se algo é bom ou ruim por alguém.

"Eu nunca sei quando vai acontecer. E se acontecer, só preciso que me apoie." Ataques de pânico são assim, imprevisíveis às vezes. É aquela coisa de perceber que nada está dando errado e começar a ter um ataque porque você não estava tendo um ataque. Quando me lembro que estou bem, já começo a suar, achando que tem algo errado. Doido não?!

"Eu não posso simplesmente desligar isso." Infelizmente não tem botão off pra isso. Por mais que eu tente, busque forças dentro de mim, não tem como. Lembra eu que disse que achava que podia me curar sozinha? E lembra que eu me enganei né...

"Mesmo quando as coisas estão maravilhosas, eu sempre espero que aconteça algo horrível." Ansioso vive em estado de alerta. Sempre esperando que um piano caia na sua cabeça, ou que o chão se abra e você afunde e vá parar na china e meu deus, ninguém vai saber onde você está, precisa dar um jeito de ligar pra casa...

"Por favor, não me diga pra superar isso ou que estou sendo bobo." Se fosse só me falar isso e eu ficasse curada, nossa, que fácil! A coisa é maior do que isso, não tem nada a ver com ser bobo. É uma doença, é incontrolável sem tratamento. Acho que se esses conselhos curassem, o mundo estaria curado, oras.

"Não desista de mim quando me isolo." Às vezes, uma pequena lembrança de que há alguém que se importa e sente sua falta é tudo o que a gente precisa pra ter um dia melhor. As pessoas precisam entender que precisamos nos isolar de vez em quando pra recuperar energias.

"Não leve pro lado pessoal quando eu não quero sair. Minha zona de comforto é minha casa. É meu lugar seguro." Não é que eu não quero ir. Eu não consigo. Sei que pode ser divertido e tal, mas tem vezes que é impossível deixar minha zona de conforto, porque nela estou segura.

"Quero primeiro me desculpar pelas várias vezes que te deixei na mão. As várias vezes que eu tive que ir embora mais cedo e você não tinha ideia. As várias vezes que tive que te dizer não." Recusei muitos convites, os raros que aceitava, eu saía correndo, de repente, sem dar explicação nenhuma. Disse não muitas vezes querendo dizer sim.

"Não me exclua. Minha ansiedade me impede de fazer certas coisas, mas ser convidado pra algo, às vezes, faz meu dia." Aqui é o que eu chamo de O Paradoxo do Ansioso. Quero ser convidado mas não vou. Bom, o negócio é seguinte: se eu estiver em um dia bom, cheia de forças, vou me esforçar para me juntar aos amigos. Me sinto mal ao não ser convidada. Já ouvi milhões de vezes "a gente te chama mas você nunca vai"... Não me exclua, vai que te surpreendo?

"Analiso as coisas constantemente por causa da ansiedade. Não posso desligar meu cérebro e isso é bem exaustivo." Sério, é cansativo, fisicamente falando. É como correr uma maratona, nadar no mar e ainda peladar. Sempre analisando tudo, cada detalhe, cada desculpa pra dar, cada desculpa pra escapar, como fugir, o que pode dar errado, etc.

"Me de espaço, mas não se esqueça de mim." Preciso de apoio, respeito e às vezes sumir um pouquinho. Só não esquece tá.

_____

Medo

"O mais horripilante dos medos adicionados é o de ser incapaz de evitar a condição de estar com medo ou escapar dela."

"O que não somos capazes de administrar nos é desconhecido, o desconhecido é assustador. Medo é outro nome que damos a nossa indefensabilidade."

Retirei estas frases do livro Medo Líquido de Zygmunt Bauman, sociólogo que adoro. Elas são extremamente verdadeiras para mim, pois eu tenho muito medo sem saber exatamente do quê. Tenho medo de ter medo. Se percebo que não estou com medo acabando ficando com medo porque algo está errado. Será que você já sentiu isso? É bem desagradável. Também tenho medo do desconhecido, porque não posso controlá-lo. Se fogem das minhas mãos, me aterrorizam. Tenho medo de que me julguem, de que apontem o dedo para mim e digam: olha lá, a louca.

_____

Vergonha

Acredito que nós, que sofremos com algum transtorno mental, temos vergonha de procurar ajuda por causa do estigma. Estigma é um conjunto de adjetivos negativos dado à alguma coisa. Quantos memes você já viu sobre bipolaridade, depressão, toc, suicídio ou ansiedade? Fazer piadas e espalhar informações equivocadas só dificulta nossa cura. Ou nossa busca por ajuda. Faz pessoas se calarem. Portanto, deve-se pensar muito bem nas consequências do compartilhamento por aí. A internet é terreno fértil para isso.

Como se abrir, contar à alguém, que tem um transtorno mental? Como admitir para você mesmo que você tem um problema? Não tem jeito certo ou fácil. Pelo menos para mim, não sai uma palavra da minha boca quando tento falar sobre isso. Já escrevi milhões de bilhetes que nunca enviei. É difícil admitir isso para mim mesma. Me sinto uma fraca, que não aguenta a vida. Incapaz de domá-la.

Preciso confessar que ainda tenho muita vergonha. Não deixo ninguém ver meus remédios. Não digo à ninguém quando tenho uma consulta no médico, justamente para não explicar que médico é. Meus pais levaram muito tempo para saber que eu vou ao psiquiatra. Eu nunca contei, não dou detalhes, não falei do meu diagnóstico. É meio humilhante para mim. Eles imaginam o que tenho de errado, mas sem ter certeza, sem ouvir de mim. Essas páginas sabem mais sobre mim do que eles. Luto diariamente para que esse sentimento vá embora. Por isso escrevo. Para não me afogar em mim mesma.

E você, já sentiu algo parecido? Me conta sua história.



Obrigada por ler minha história, se gostou, me dá uma estrelinha :)

Ilustração de Shawn Coss: http://shawn-coss.squarespace.com/#/inktoberillness/

Enjaulada: com a ansiedade, fobia, pânico e depressãoOnde histórias criam vida. Descubra agora