O amor é uma espécie de preconceito. A gente ama o que precisa, ama o que faz sentir bem, ama o que é conveniente. Como pode dizer que ama uma pessoa quando há dez mil outras no mundo que você amaria mais se conhecesse? Mas a gente nunca conhece. - Charles Bukowski
- Eu não acredito! Por que a gente não fecha as portas dessa redação de uma vez e declara falência?
Chegar pisando duro, falar descontroladamente alto e despertar olhares curiosos de todos os meus colegas de trabalho não faziam parte das metas que eu estava traçando para hoje. Elas, no geral, incluíam algo parecido com a minha imagem chegando triunfante com a matéria mais importante da edição desse mês da nossa revista e um dia inteiro de trabalho leve e tranquilo como recompensa pela minha excelente performance, pra ser mais realista. O que, obviamente, não estava acontecendo.
- Pela frase exagerada, foi a "Porto de notícias" que chegou primeiro. Acertei? - A voz de Jaime, meu mais fiel colega de trabalho, surge tranquila e despreocupada quando passo por sua mesa e acabo sendo obrigada a parar.
Assim que estaciono meu corpo abruptamente, Nina, que até então me seguia com pressa, precisa parar também pra evitar um belo e completo esbarrão desajeitado.
Acontece que nós não estamos acostumadas a perder pautas. Não mesmo. Desde que começamos a trabalhar como a bela dupla de repórter e fotógrafa que somos, é bem difícil não conseguirmos descolar uma bela de uma matéria que, na maioria das vezes, vai direto para a capa da "Tome Nota", revista famosa também conhecida como 'meu trabalho'. O problema é que perder furos importantes esta começando a virar algo frequente nos últimos tempos, coisa que não me agrada nada...
- Chegou primeiro? - Rodopio para conferir se ele esta tendo mesmo a cara de pau de me perguntar aquilo. - Tá de sacanagem, né? A gente tava na porta daquela maldita viúva desde às 6 da manhã, até que a duplinha dos infernos chegou três horas depois e simplesmente entrou para fazer a entrevista. Tinham mais de 5 equipes lá... Cinco! E a lambisgóia só quis dar a entrevista pra eles.
A duplinha dos infernos em questão é o grande motivo das nossas últimas perdas de pautas. Raquel, uma repórter experiente e com anos de profissão e André, seu fotojornalista que consegue ser bem craque em descolar exclusivas - De maneiras bem impróprias, eu desconfio -. Até que não seria tão ruim se eles não fizessem parte da nossa maior concorrente. Mas fazem.
Jaime dá um notável ponto final no que quer que esteja digitando no seu computador e direcionada um olhar divertido e sagaz que passa por mim e por Nina, que a essa altura já esboça um semblante tenso de quem está sendo avaliada.
- A vida é assim... O fotógrafo deles tem uma coisa que vocês não podem oferecer, meninas... Aceitem!
Tem dias que eu admiro de verdade a maneira como nenhum problema é grande demais para Jaime. Hoje não é um desses dias.
- Isso não pode ficar assim... - aviso com indignação adivinhando exatamente o que quer insinuar. Ele tem exatamente as mesmas suspeitas que eu, por isso nos entendemos tanto.
- O que ele tem e nós duas não? - Nina pergunta no ápice da sua inocência. - A gente podia falar com a chefia, talvez eles providenciem...
Às vezes ficar tensa e preocupada demais no trabalho te deixa meio lenta.
Jaime inicia uma gargalhada que só piora quando vê que Nina realmente não parece entender.
- Você... - aponto ameaçadoramente o dedo indicador pra ele - Nem pense em falar o que está pensando, seu pervertido. E você... - é a vez dela agora. - É uma fofa. Seja menos fofa, por favor.