“O destino, como os dramaturgos, não anuncia as peripécias nem o desfecho.” - Machado de Assis
- Rodrigo, você é um imbecil! E não é só um imbecil qualquer... É o rei de todos os imbecis. Sério, sua imbecilidade está em um nível que te leva direto pra essa realeza.
Sim, eu até estava tentando formular alguma coisa mais complexa pra dizer, mas depois de tudo o que ele estava me fazendo ouvir, nada me pareceu mais importante do que deixar bem claro toda a idiotice dele.
Continuo atônita sem conseguir me mexer enquanto a postura dele é o completo oposto.
- Sempre tão amável... - diz com a voz razoável e tranquila depois do meu ataque.
- Vamos voltar a fita e recapitular tudo... - tento mais uma vez - Você conheceu o amor da sua vida há pouco mais de um mês e agora vai se casar com ela daqui há algumas semanas em uma espécie de paraíso tropical?
- Até aí está absolutamente certo.
- Pra completar, quer que eu largue todo o meu trabalho e literalmente embarque na loucura com você por três semanas...
- Pra ser minha madrinha, você esqueceu dessa parte.
Acho que vou ter um AVC. Já posso até sentir tudo formigando.
- Você tá percebendo que isso é burrice? Me diz que está, por favor... Senão além de imbecil vou achar que você é burro.
- Eu amo aquela mulher, Samantha. Não vejo nada errado ou burro em querer tornar um relacionamento oficial quando se ama alguém.
O pior de tudo é que ele parece muito convicto de tudo que está me dizendo. Tento ler no seu rosto algum sinal, um tracinho sequer de insegurança ou dúvida, mas não consigo. O que não quer dizer que não exista chances de ser um baita de um erro. "Exista chances", não... É um baita erro, tenho certeza.
- Você não ama essa mulher, Rodrigo. - o corrijo ainda com mais certeza do que a que estava brotando nele - Você nem conhece ela, pelo amor de Deus... Ninguém ama alguém em um mês. O que você sabe sobre ela? Qual é o seu filme preferido? Qual é a música que ela mais gosta? O autor que mais lê? Quais são seus sonhos, suas ambições, seus hobbies?
- Bom... - coça a cabeça com ar pensativo e eu torço pra ter conseguido semear um pouquinho de indecisão em sua cabeça sem juízo - Ela parece não ser muito chegada em livros, então não tenho certeza se tem um autor favorito...
Minha nossa...
- Tá, e o resto? - minha paciência que já não estava boa, só piora.
- Não faço ideia.
Minha mão dá um tapa na mesa que não consigo evitar e tenho que olhar um pouco para outra direção que não seja ele, respirando bem fundo e tentando recuperar o fio da meada que já estou quase perdendo por conta da raiva.
- Você precisa saber coisas assim... São os detalhes, Rodrigo... Detalhe é tudo.
- Eu não tô nem aí para o filme, a música e essa palhaçada toda... E não tô nem aí pro tempo também. Isso não significa nada.
-É claro que significa. Significa muita coisa!
- Posso passar a vida inteira conhecendo uma pessoa e ela não despertar nem dez por cento do que Júlia despertou em mim... - manda na lata.
Ai. Eu podia ter ficado sem essa. Dessa vez fico calada de verdade, sem nem saber o que dizer. Ele, por sua vez, pareceu não ter dito aquilo como uma indireta porque só fica observando minha fisionomia quieta e transtornada.