“Inútil fugir. Inútil resistir. Inútil tudo.” - João Guimarães Rosa
Mas que porra é essa que está acontecendo comigo? Como eu não consigo mais ficar sequer um minuto perto dessa jornalistazinha sem ter uma vontade incontrolável de tocá-la, de ficar o mais perto possível - mesmo que pra isso eu precise fazer as propostas mais absurdas -? Se minha maldita boca ficasse fechada eu também já agradeceria... Ela podia muito bem continuar pensando o que quisesse sobre mim. E pelo visto continua já que é de uma teimosia irritante e não acredita em nada que falo.
É a merda desse lugar que está fazendo isso com a minha cabeça, a certeza aumenta cada vez mais. Isso é quase como um confinamento... Uma quarentena, aliás. Tá mais parecido com uma quarentena. Purgatório também é uma boa teoria levando em conta que já devo ter pago alguns bons pecados só nesses poucos dias...
E por falar em pagar pecados, ouço alguém bater na porta e já me preparo... se for Samantha de novo não me responsabilizo por meus atos. Essa garota está me enlouquecendo. Eu me sentindo atraído por uma mulher nunca foi de se estranhar já que acontece com certa frequência, mas por essa e diante dessas circunstâncias? Isso, com certeza, não estava nos meus planos...
Quando abro a porta o que me surpreende é uma Júlia parada me olhando compenetrada vestindo uma saia e a parte de cima de um biquini com todo o resto do seu lindo corpo à mostra. Assim que entra no quarto, já desanda a falar com um tom exageradamente desdenhoso que entrega o fato de estar muito insatisfeita com alguma coisa. Coisa essa que já deve dar pra imaginar o que seja.
- Olha, dessa vez você se superou, André... - diz já do lado de dentro do quarto enquanto me observa e fecha a porta - se queria me fazer ciúmes podia, pelo menos, ter encontrado alguém mais interessante. Samantha? Sério? Não tinha ninguém menos sem graça?
- Ah, você não consegue nem imaginar quão interessante ela é. - digo de forma provocante em seu ouvido enquanto passo por ela e abro novamente a porta - Pode ir agora.
Dispensar Júlia do meu quarto deve ser mais um sinal de que não estou em juízo perfeito, mas se tem uma coisa que não me enche os olhos no momento é falar novamente sobre a conversa que tivemos anteriormente. Eu ainda estou confuso demais com a atitude que teve pra querer fazer isso.
- Deixa de papo furado, André. - fecha novamente a porta sem sair e, dessa vez, passa a chave para trancá-la com malícia - Eu sei que você só tem olhos pra mim.
- Eu não teria tanta certeza, se fosse você...
Minha intenção é afrontá-la, mas a frase sai da minha boca sincera o suficiente para que até ela se surpreenda.
- O que deu em você, hein?
- Não... A pergunta é o que deu em você. Será que ainda não percebeu que o que está fazendo é ridículo? Seu comportamento, suas atitudes... Tudo está sendo bem ridículo, Júlia.
- Eu só quero que você seja sincero com você e comigo. - seu tom se transforma para algo mais manhoso ao passo que se aproxima de mim.
- Não. O que você quer é saciar um capricho seu.
Quando já está suficientemente perto, apoia dois dedos em meu queixo e aproxima sua boca da minha. Ela só pode estar querendo problema... De ferro eu ainda não sou.
- Você também pode chamar disso se quiser. Você é meu capricho favorito, sabia? - sorri - E eu sou o seu, não sou? Você acha que eu tô gostando de fazer tudo isso? Mas é mais forte que a gente, André. Confessa.
Estou concentrado demais nesse momento em querer dar uma surra em mim mesmo pra conseguir responder qualquer coisa, por isso só a encaro de modo sério. Como eu ia gostar de entender o porquê de ter na minha frente uma mulher gata, atraente e que sempre desejei praticamente me obrigando a perder a linha me olhando daquele jeito e com aquela roupa e, enquanto isso, ter na cabeça uma certa doida ranzinza que consegue ter tanta raiva de mim quanto cachos naquele cabelo e grosserias naquela boca linda que me deixa cada vez mais tentado... Ah, eu adoraria de verdade entender.