Abordagem

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Achei por um momento que teria tempo, que poderia fazer um bom projeto para apresentar, mas assim que o dia chegou, mesmo antes de sair da cama ouvi a voz grave de Tiago.

— O quê? Quando isso?

Fiquei quietinha na cama, com medo até de respirar e ele ouvir, o que claro, era um medo idiota, mas meu pai podia ouvir, eu acho...

De todo modo eu não queria um confronto quando ele soubesse do meu passeio com Daniel pela vila dos Procriadores. E tudo isso pela sua reação ao meu passeio ao museu, então de alguma forma agora eu temia sua explosão.

— Você permitiu isso, André?

Me encolhi ainda mais ao prever o futuro tão lindamente quando ouvi as palavras, Procriadores, templo da sacerdotisa e algumas outras que me indicava que meu pai, aquele fofoqueiro, estava contando tudo a Tiago.

Tentei demorar o máximo possível a sair debaixo das cobertas, mas isso já estava se tornando ridículo, eu não podia me enfurnar no quarto o dia todo, e o rei não parecia disposto a sair daquela sala até ter o gosto de me repreender por meu passeio, ou até por minha ideia...

Levantei e me arrastei carregada de desânimo para me lavar, depois de pronta abri a porta e tremi ligeiramente quando a fechei, me senti exposta sem a proteção do quarto, contudo, apesar do meu receio, desci as escadas com passos firmes e o olhar altivo de quem é inocente sobre qualquer discussão ocorrida antes de eu descer.

Tiago me sondava a cada passo, em seus olhos estava um misto de ira e algum tipo de fascinação gulosa que me deixou desconcertada. Já meu pai olhava para Tiago como um predador que espera uma distração da presa para atacar. Isso também me pareceu esquisito, era como se eles tivessem entrado em um tipo estranho de acordo em relação a mim, mas claro que eu não ia abusar da sorte, minha ideia era simplesmente arrumar um jeito de sair dali o quanto antes. Por isso fiz um cumprimento educado enquanto rumava apressada para a cozinha.

— Bom dia, Tiago. Espero que esteja em um bom dia.

A ira que até então estava em seus olhos pareceu sumir e eu quase sorri triunfante, chamá-lo pelo nome tinha funcionado para uma trégua. Pelo menos isso.

— Bom dia, Amélia.

Com um suspiro aliviado eu alcancei a cozinha sem maiores transtornos, pelos vistos não haveria uma discussão como pensei. Senti com alegria o aroma gostoso de chá e peguei uma xícara, mas parei com ela no ar quando senti a cozinha ficar menor. Meu corpo respondeu a um chamado invisível e me virei, ali estava Tiago encostado à porta, me olhando insondável.

Rapidamente voltei às costas e praguejei mentalmente, ele era teimoso, claro que não ia ceder tão fácil. Sem encontrar saída peguei outra xícara e o bule de chá e coloquei na mesa, sentei e não o convidei a fazer o mesmo já que ele parecia se ofender com qualquer tratamento formal dedicado a ele quando estava em casa.

Levantei os olhos quando levei a xícara à boca e quase a derrubei com o choque da maravilhosa visão. Ele sorria tão lindamente que não pude resistir e acabei retribuindo com um sorriso tímido. Agora entendia porque ele parecia chateado no primeiro dia, o teimoso rei queria ser tratado normalmente desde o inicio e eu não sabia claro, mas se isso servia para tirar dele um sorriso daqueles, então tinha valido a pena a ousadia.

Sem dizer nada ele sentou e se serviu. Ficamos com o olhar focado no líquido fumegante. Sorvi um gole pequenino um tanto estranha por essa paz silenciosa e ele fez o mesmo. Logo foi ele quem quebrou o silêncio.

— André me disse que ontem você visitou a vila dos Procriadores e que tem planos para o templo.

Assenti um tanto surpresa por ele estar calmo ao abordar o assunto. — Achei que aquele templo poderia ser usado de alguma forma para ajudar essas pessoas.

Tratado dos Párias- O rei rebelde. ( Degustação)Onde histórias criam vida. Descubra agora