Capítulo 7

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Me arrastei para fora da cama com os olhos ainda pesados de tanto sono. Não eram nem sete de manhã e a fome já era tão grande a ponto me despertar. Revirei os armários em busca de algo bom para comer, mas nada parecia apetitoso o suficiente. Se vovó estivesse acordada, tinha certeza que diria algo do tipo "Se estivesse verdadeiramente com fome, até a mais dura pedra pareceria saborosa.". Afirmação que não poderia ser negada na atual situação.

Se fosse ser sincera comigo mesma, o que me acordara não fora fome e sim aquele maldito sonho. Tinha certeza que se existisse uma lista de pecados divinos, lá estaria ele: "fazer reles mortais sonharem com comidas suculentas, cheirosas, adoradas por todos. Com a única finalidade de acordá-los em seguida e admirar a frustração ao perceberem que, na vida real, não possuem tais guloseimas do sonho." Com certeza o oitavo pecado capital seria um plano maligno arquitetado por sabe-se lá quem que governa o mundo, com um único objetivo: tortura.

Acabei aceitando que não surgiria nenhuma barra de chocolate miraculosamente. Então, decidi fazer um bolo floresta negra com o dobro de nescau necessário. Já dizia o ditado quem não tem cão, caça com gato.

Depois que coloquei para assar me joguei no sofá, zapeando pelos canais em busca do que fosse menos pior. Cogitei parar em Ana Maria Braga, tinha um bom tempo que não ouvia as perspicácias do Louro José, mas a ideia de passar o intervalo de espera ouvindo sobre comida e vendo comida, não era lá muito agradável. Parei por uns minutos no Say Yes To The Dress, porém troquei quando percebi que já tinha visto o episódio — e por sinal odiara a escolha das noivas. — Por fim, fui capturada pela pantera cor de rosa. Quer dizer... Isso até cair no sono no sofá mesmo. Provavelmente teria ficado por lá a manhã inteira, se não fosse pela sacudida que vovó me deu.

— Ai, Deus! O Bolo — Saí correndo para cozinha. No entanto, ao abrir o forno me dei conta de que ele estava completamente vazio. Fiquei encarando a lataria esperando que ela confessasse a traição e devolvesse meu bolo. Seria possível que houvesse uma versão de O Segredo dos Animais chamada O Segredo dos Móveis? Ou então, eles estavam sob o efeito de algum feitiço como em A Bela e a Fera?

— Lara? — Ela me mirou com uma enorme cara de interrogação.

Olhei para cima e comecei a vociferar com os deuses. —Vocês estão fazendo um jogo comigo ou quê? Eu sou sensível!

— Ainda estou esperando o dia em que sentará e me contará que o segredo para ter um bom dia é iniciá-lo fumando maconha. Só isso explica sua esquisitice matutina.

— Eu fiz bolo. Eu tenho certeza absoluta disso e ele não está aqui. Essa lata engoliu meu bolo. — Um sorriso de escárnio se desenhou em seus lábios. E então a ficha caiu.

— Você não presta! Eu poderia morrer aqui, sabia? Com comida não se brinca! — Nem ao menos foi preciso que concluísse a frase para que ela soltasse uma sonora gargalhada.

— A culpa não é minha se você coloca as coisas no fogo e dorme. Eu vi uma chance e aproveitei. Poderia ser bem pior se eu deixasse queimar. — Pronunciou o último verbo vagarosamente.

— Nem diga isso. Meu coração até perdeu a batida aqui. — Levei a mão ao até o dito cujo para enfatizar o drama.

— Deixa disso. — Ela retirou uma panela da geladeira e colocou sobre a bancada da ilha, ao lado do bolo. O fato de ter conseguido preparar o recheio, comprovava que não cairá apenas num cochilo. Estávamos acostumadas a brincar com as mais diversas frutas na hora do recheio. Consequentemente, deveria ter ouvido as sonoras batidas do liquidificador — que ao contrário dos dizeres da propaganda, não era nada silencioso.

— Qual sabor você fez? — Perguntei quando não consegui diferenciar o tom de vermelho. Normalmente, o aroma seria um acerto certeiro... Se não tivesse amanhecido com o parecer de resfriado um belo nariz entupido de brinde.

Apenas Respire [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora