Capítulo 4

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Nós precisávamos de uma mudança. Algo que não nos fizesse recordar a casa antiga a cada segundo. Apesar de amar cada cantinho. As paredes poderiam contar diversas histórias: os primeiros passos tanto da minha mãe, quanto da minha tia; a vez em que meu primo e eu, ainda crianças, decidimos impressionar a família com nossos dotes culinários e transformamos a cozinha num nevoeiro de farinha e chocolate; ou ainda o casamento dos meus pais.

Porém como na vida nem tudo são flores, no último ano, além das recordações felizes também trazia muita dor. É difícil entrar em um cômodo esperando encontrar uma pessoa e obter como única resposta o silêncio. Ainda tinha algumas manhãs em que despertava sonolenta e esperava vê-lo sentado em sua poltrona de couro folheando alguma seção aleatória do jornal, sorvendo levemente uma xícara de café. Porém tudo com o que me deparava era o vazio. O soco da realidade me atingia e eu me sentia estúpida por não conseguir superar sua ausência. Estúpida por desejar que ele estivesse ali para sorrir-me e dizer que tudo ficaria bem. Mas, principalmente, estúpida por ser humana e incapaz de lidar com a perda. Por vezes, desejava que houvesse algum manual, ou que o ser humano não fosse tão apegado a vida terrena.

Por um bom tempo, o silêncio foi o morador mais presente. Não sabia muito bem como consolá-la. Como se conforta uma pessoa que perdeu seu companheiro de 45 anos? Então apenas me sentava ao seu lado, sem pronunciar uma palavra. Dia após dia. Às vezes chorávamos, às vezes apenas ficávamos vagueando de canal em canal.

Gradativamente, vovó e eu nos adaptamos a ausência de vovô. A dor amenizou, então podíamos lembrar de pequenas coisas que ele faria ou diria, sem que fossemos dominadas por um olhar vago. Às vezes algumas lagrimas ainda apareciam, mas hoje conseguíamos manter apenas aquela emoção saudosa, que produz sorrisos doces. Era quase bom.

A princípio vovó venderia a casa, mas Roberta interveio lembrando que são muitas memórias e que um dia poderíamos querê-la de volta. Então agora, toda a manutenção estava em suas mãos, até que voltássemos a cidade, ou que a própria decidisse habitá-la.

Talvez a mudança fosse um sinal de que não estávamos lidando tão bem com a morte quanto pensávamos. Mas talvez uma mudança de ares fosse justamente o que precisávamos. Apostávamos na última. E por isso nos encontrávamos num forte embate sobre a aparência que teria a nova casa.

– Quiçá deveríamos escolher um papel de parede. – Sugeri analisando as possibilidades de amostras.

– Pode tirar seu cavalinho da chuva. Eu não vou submeter minha paciência a isso.

– Não deve ser tão difícil assim.

– Diz isso agora. Quando não conseguir alinhar todas as pontas, a história será outra. Fora que provavelmente seria necessária uma ótima técnica pra evitar bolhas durante a colagem.

– Você estraga os meus sonhos, mulher. Olha esse - apontei para um lilás com pequenas flores. - É simplesmente perfeito. – Ela continuou me olhando com descrença. – Eu poderia colocar em apenas uma parede. Assim dará menos trabalho.

Dessa vez olhou para o dono da tinturaria, buscando apoio.

– Na verdade... – o homem grisalho, que até o momento apenas espiava a conversa de rabo de olho, clareou a garganta – penso que a tinta e o papel de parede são igualmente difíceis. A tinta por necessitar cuidado entre as bordas, principalmente no rodapé. E o papel pelo que já mencionaram. Mas se quiserem temos uma equipe que realiza todo esse serviço.

– Obrigada, mas retocamos a casa um par de vezes sozinhas e considero quase uma tradição.

– Entendo... Mas se serve de consolo – neste momento, ele falou em direção a minha pessoa. – Meu genro é uma negação em qualquer coisa relacionada à casa, desde reformar a pia do banheiro até pregar um prego. E mesmo assim, fez um trabalho excelente aplicando isso no quarto da minha neta. Se ele conseguiu, lhe garanto, qualquer um pode. E um brinde, o cômodo não fica fedendo à tinta.

Apenas Respire [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora