Capítulo 17

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A porta do escritório abriu num rompante. Não precisei mirá-la para saber que quem emergiria seria uma figura gorda e vivaz, que não se continha no mesmo lugar por mais de cinco minutos.

Lívia era a única que entrava sem aviso. Fernando sempre batia antes — ainda que não entendesse muito bem o motivo, levando em conta que aquela era sua propriedade. — E Vitor nunca permanecia tempo suficiente para pisar outros espaços que não a entrada.

— Por que diabos você tá enfiada nesse breu? Tá fazendo teste pra virar vampira ou o que?

A pergunta não deveria me causar estranhamento, afinal a loira adorava hipérboles. Ainda assim, me peguei analisando o local e concluindo que não era motivo para tanto alarde. Aliás, o quão escuro um cômodo sem nenhum blackout poderia ficar durante o dia? Por mais que não tivesse me dado ao trabalho de acender a luz ou abrir as cortinas, era impossível não ser capturada pela claridade.

Antes que pudesse responder, ela já tinha pousado uma caneca sobre a mesa, atravessado o cômodo e aberto as folhas da janela. Só então percebi que de fato a cortina possuía um pano grosso o suficiente para bloquear parte dos raios solares.

Após uma semana sendo visitada por chuvas e nuvens cinzas, parecia que o calor estava disposto a voltar à cidade.

— Bem melhor! Pode me agradecer. Esse sol no fim da tarde melhorou em 80% o meu humor. — Abriu um sorriso vanglorioso. E, se fosse qualquer outro dia, teria feito um esforço para responder. No entanto, permaneci com a mesma feição, e ela franziu o cenho. — Ora, ora! Parece que não fui a única quem amanheceu de ovo virado.

Dei de ombros, e ela pareceu aceitar meu silêncio. Pegou um papel sobre a mesa e começou a rasgar em minúsculos pedaços. Suas pernas não estavam visíveis, porém não era preciso muito para saber que as balançava num ritmo frenético.

— Acredita que o lindo só foi dar as caras ontem e ainda teve a pachorra de falar que somos muito enrolados e o projeto já deveria estar pronto? — Soltou de repente e precisei fazer um esforço para entender a quem se referia.

Somente quando deu prosseguimento, percebi que se tratava de um de seus trabalhos na universidade. Vinha comentando sobre há algumas semanas. Tinham que projetar um shopping e ao que parecia era o maior projeto que tinham se encarregado. No início seu rosto sempre mostrava animação, afinal — como ela mesma dizia — era como descobrir que está grávida quando você sempre sonhou com a maternidade. Como disse, isso era no início. Pois agora, a cada vez que era questionada sobre como andava o projeto, esfregava o rosto e amarrava o cabelo num coque tão bem amarrado e esticado que me fazia interrogar como ainda não arrancara os próprios cabelos. E se encarregar-se de um projeto novo era engravidar, me arriscaria a dizer que finalizá-lo era comparável ao estresse materno quando o bebê atrasa sua chegada.

— O desgraçado toma chá de sumiço por duas semanas e quando volta ainda reclama que o trabalho não está terminado! Eu realmente não tenho paciência pra seres humanos! Ô raça maldita!

— E por que vocês não o excluem do trabalho? — Era a conclusão mais lógica.

— Por mim, essa praga já estaria sem grupo e com um redondo zero. O problema é que ele é neto do dono de uma das construtoras mais importantes da cidade. Sendo que o Marcos, que está fazendo o projeto com a gente, tá sondando pra conseguir um estágio lá e sabe como rolam essas coisas, né? Talento só não basta. Você precisa de contatos, e fazer o netinho mimado reprovar não é um bom método para ser notado.

— E vai ficar fácil assim?

— É óbvio que não deixei por isso mesmo! Falei sem rodeios que se quisesse projeto pronto teria que fazer. E o incumbi de finalizar. Na real, só faltava plotar. Mas como ele exterminou a última gota de paciência da minha noite, enviei o arquivo que estava sem o cinema. E ele que se vire! É o mínimo que pode fazer — bufou e fez um coque.

Apenas Respire [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora