Capítulo 23

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Peguei o celular para conferir se o local estava certo e, então, entrei. A primeira coisa que me atingiu foi a iluminação fluorescente colorida, um tanto quanto brega. A segunda foi uma melodia do Djavan. E quando menos esperava já estava imersa numa sensação inquietante de déjà vu, ainda que tivesse bastante certeza de nunca ter pisado ali. Fiquei parada na entrada, tentando recordar se a imagem pertencia a algum sonho, no entanto o único que consegui foi um sermão.

Era um péssimo dia. Eu estava com um péssimo humor. Contudo, de alguma forma ainda desconhecida, minha colega de trabalho tinha conseguido me convencer a acompanhá-los numa saída. A forma pela qual fui recebida, no entanto, me fazia repensar se não deveria ter ido direto para casa.

— Hey! — O chamado áspero vinha de um rapaz negro que caminhava com duas pequenas cestas, que serviam de apoio para hambúrgueres. — Entre quando quiser, só faça o favor de não empacar a entrada, ok? Vai espantar meus clientes desse jeito.

Senti meu rosto esquentar e me movi para o lado. Procurei pelos rostos de Lívia e Vitor, mas não avistei nenhum deles. Olhei a hora para confirmar se não estava adiantada, e suspirei em frustração ao constatar que eles eram os atrasados.

Todas as mesas da lanchonete se encontravam ocupadas, restando-me nada além de me arrastar até as cadeiras frente ao balcão. Era isso ou esperá-los do lado de fora.

— Vai querer alguma coisa? — O mesmo homem perguntou assim que alcançou o balcão.

— É... Não. — Ele arqueou a sobrancelha e de imediato percebi meu erro. — Tô esperando alguém.

Ele assentiu e voltou a atender outras pessoas. Batuquei meus dedos na mesa, sem saber para onde focar. Meu celular vibrou, e logo apareceu um recado dizendo que eles iriam se atrasar. Pensei em agarrar aquilo como uma desculpa para ir embora. Cheguei a digitar a mensagem, porém, antes que pudesse enviar, fui interpelada.

— Me diz algo que tenha a mesma natureza ou a cor do fogo.

— Que? — Pisquei os olhos, confusa. Será que ele tinha noção do quão aleatório estava sendo?

— Algo da mesma natureza ou cor do fogo. — Repetiu, todavia permaneci sem entender. Até prestar mais atenção e notar uma pequena revista e um lápis em suas mãos. Logo supus que estava matando o tempo com palavras cruzadas.

— Não sei. Vinho? — Ele tirou os olhos das páginas e me olhou como se tivesse crescido uma segunda cabeça em meu pescoço. — Que foi? É uma cor. Fogo às vezes fica vermelho.

— Boa justificativa. Mas ainda assim começa com "i".

Pedi para olhar e, enquanto tentava me decifrar aquela palavra de seis letras, ele se afastou, indo para o que eu imaginava ser a cozinha. Foquei em descobrir outras palavras e me surpreendi com a facilidade que aquele simples jogo tinha de me distrair.

— Não acredito nisso. — A voz altiva de Lívia surgiu próxima a mim de repente, e tremi pelo susto. — Isso é coisa do Murilo, né? Sinto muito por não estar aqui para te proteger. Agora é tarde demais. A regra n° 1 para poder frequentar essa lanchonete sem perturbação é: nunca aceite ajudá-lo nas palavras cruzadas. Uma vez que tu diz sim, nunca mais consegue comer em paz. Não sei como ele tem saco pra isso. Tentei uma vez por cinco minutos e tenho certeza absoluta que ficar olhando pruma parede é menos entediante.

— Não é assim tão chato. — Dei de ombros. — Na verdade, é até relaxante.

— Para Lívia tudo é entediante. — Vitor disse em tom de confissão. — Nunca a convide para algo em que não possa se mexer ou tagarelar, incluindo cinema. Já perdi as contas de quantas vezes ameaçaram nos expulsar.

Apenas Respire [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora