Capítulo Bônus

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— Ai! — Toquei meu cabelo, tentando meu proteger. — Tá doendo!

— Se você parar de se remexer, não doerá tanto. — Tirou minhas mãos da cabeça e voltou a pentear meu cabelo.

Ouvi um réc, mas não era o primeiro. Eu não sabia quanto tempo levava para as pessoas ficarem carecas, mas imaginava que a minha hora já estava chegando. Eu seria uma criança careca. Então teria mais uma característica pra minha lista de peculiaridades — ainda que não soubesse o que essa palavra queria dizer, ela sempre parecia se encaixar quando papai a usava. No fundo eu achava que era uma palavra coringa, como as cartas coringa no jogo de mico. Você põe usá-las quando quiser, como quiser e sempre farão sentido.

— Mãe! — Choraminguei. — Tá doendo.

— Não reclama, Lara. Já estamos atrasados. — Suspirou. — Seria tão mais simples se Deus tivesse ouvido minhas preces e você tivesse nascido com meu cabelo.

— Eu não quero ir. — Falei baixinho, mexendo no fio que soltava do short e ignorando seu lamento rotineiro.

— Pois irá. Não faça caso disso, sim? Você não tem querer. Ainda mais depois da última que me aprontou.

— Mas eu não fiz nada — murmurei.

— Não se trata do que fez ou deixou de fazer, Lara. E sim do que não falou. Não entendo porque gosta tanto de se fazer de muda na frente dos outros. Não tem graça. Se continuar assim, vai ter que refazer a alfa. E aí o que eu vou falar pras pessoas?

— Desculpa.

— Não é pra mim que você tem que pedir desculpas, mas sim pra professora que passa por esse constrangimento. O que custa responder as perguntas que te fazem? — Apertou meus ombros, fazendo com que virasse para ela. Seu rosto vermelho aumentava a minha certeza de que ela estava com raiva de mim. — Hein?

— Desculpa, mamãe!

— Desculpa, desculpa, desculpa! Isso é tudo o que você sabe dizer? — Encolhi meus ombros e ela esfregou a mão no rosto. — Fica aí. Vou chamar seu pai para terminar porque a minha paciência já esgotou e nada bom vai sair disso.

Ela se retirou e eu subi na cama. Peguei o boneco com um pelo que nunca soube ser rosa ou roxo e me encostei-me ao travesseiro, fitando-o. Gostava de tê-lo comigo, mas não gostava muito dele. Não sabia de onde viera. Ele apenas sempre esteve ali, antes mesmo que eu nascesse. No fundo eu achava que ele nasceu muito antes que todas as pessoas, talvez antes mesmo que Jesus. Quer dizer... Só podia significar já que toda vez que perguntava o porquê de criarem um boneco tão esquisito, papai dizia que ele fazia parte de um programa muito, muito velho. Ele era esquisito, mas acabava gostando um pouquinho dele por me lembrar do Tinky Winky, ainda que ele fosse mais claro, feio e peludo.

— Não liga pra ela. — Falei tocando sua barriga e o sentindo tremer, dando risada.

— Ai, que cócegas! — Ele disse e pude ouvir os primeiros gritos do dia soarem na sala. Roí a unha, ignorando a dor por já estar machucado de tanto que o fazia. — Para! Ai que cócegas!

Levantei para fechar a porta e ver se assim tudo ficava mais calmo. Eu sabia que não, mas o fiz mesmo assim. Quando já estava de volta à cama, percebi que um pedaço da unha tinha sido arrancado. Tentei estancar o sangue pressionando o dedo contra o travesseiro, mas não logo o levei a boca outra vez.

— É aqui que temos uma princesa a ser salva? — Papai perguntou, sorrindo na porta, e eu virei o travesseiro para baixo antes de esconder a mão, sem respondê-lo. — Não? Que estranho. Aqui neste papel diz que é exatamente este endereço. Você pode me confirmar se estou no lugar certo? Rua da Laralândia, nº 9?

Apenas Respire [FINALIZADA]Onde histórias criam vida. Descubra agora