Diário de RebecaSinto um peso estranho sobre o meu corpo. Liguei para minha avó, e ela me disse para ter paciência, que haverá uma clareira na jornada. Uma espécie de angústia se espalha como teia gosmenta pela minha vida. Eu só queria não me importar tanto, não sentir o sofrimento de minha mãe como se fosse meu. Tento reagir, mas ela me puxa para o fundo toda vez que consigo buscar um ar.
O cenário de horror é sempre o mesmo. A minha mãe não reage diante das mentiras do meu pai. E eu já nem penso que se trata de mentir, e sim de omitir. Há um silêncio patético e vergonhoso nessa casa. Caio está cada vez mais irritado e calado. Seu namoro pouco a pouco escorre pelo ralo. Minha melhor amiga está arredia e distante nos últimos dias.
Eu me agarro nas tarefas de casa ou do colégio, aguardando que o fim de semana chegue mais rápido. Talvez só para imaginar que eu possa abraçar e beijar o Gustavo uma noite dessas. Os encontros com a galera são sempre razoavelmente distrativos. No entanto, a vigília e as provocações de Priscila estão começando a perturbar. Ela está sempre alerta! Sempre pronta para me distanciar de Gustavo.
Nesse último sábado, Gustavo sentou-se ao meu lado na mesa do bar. Miguel, que estava sentado nessa cadeira, levantou-se às pressas após receber um telefonema. Ele apenas disse tchau e sumiu. Então, Gustavo, quase de imediato, ocupou seu lugar. Eu levei tanto susto, como se tivesse sido atingida por um raio. Eu fiquei arrepiada e estática. Só tive coragem de me virar para ele quando já não pude mais evitar.
"Rebeca...", ele me chamou. Tenho certeza de que meu corpo me condenava, de que a minha voz ia falhar... Mas ele nem percebeu. Começou a me perguntar sobre alguns livros que vão cair no vestibular. Se eu teria alguns para lhe emprestar. E foi assim que o mundo em volta apagou, e só ficamos nós dois conversando.
Não havia outras vozes, outros corpos, outros desejos, só os nossos. Mergulhados um no outro, no olhar, nos gestos... Aquele sorriso largo emoldurado pela barba por fazer. Aquele olhar tão concentrado que me bambeava os sentidos.
De repente, a minha fuga foi interrompida. Priscila colocou as mãos em meus ombros dizendo que precisava falar comigo. Juro que quis gritar não! Que eu tentei ter coragem de afastá-la dali... Mas não deu. Eu me levantei e fui até o banheiro com ela.
"Sabe o que é Rebeca? Nós somos amigas, não é? E você sabe que eu gosto do Gustavo. Então, eu queria te pedir para você trocar de lugar comigo. Deixar eu me sentar ao lado dele, entendeu?"
Eu quis gritar, voar no pescoço dela, chamá-la de oferecida e invejosa. Mas fiquei em silêncio. E ela nem esperou por minha resposta, simplesmente voltou à mesa e sentou-se em meu lugar.
Igor disse que foi clara a decepção de Gustavo. Quando eu me sentei do outro lado da mesa, sorri para ele. Talvez para me desculpar, talvez para que ele não achasse que estava sendo ignorado por mim. Eu a vi segurando sua mão, inclinando o corpo em sua direção. Ele, de certa forma, correspondia, sorria, conversava. Mas continuava a olhar para mim.
Às vezes, eu me sinto tão estúpida por estar sustentando essa paixonite por ele... Mas talvez essa seja uma das poucas coisas que me aliviem. Gostaria de estar com a minha avó. Não a vejo desde que voltei do sítio no fim das férias. O meu pai some todo fim de semana, nos deixando sem carro para ir visitá-la. Pelo telefone, fica difícil explicar tudo o que está acontecendo, e a minha mãe insiste em fingir que é passageiro.
Conselho de Estela:
"Cuidado para a ansiedade não embasar sua Intuição. Ela é a sua melhor guardiã. Esvazie seus sentidos e a deixe trabalhar."
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Os Olhos da Deusa (completo)
AdventurePRIMEIRO LUGAR NO CONCURSO DESEJOS. PRIMEIRO LUGAR NO CONCURSO ESCRITORES FANTÁSTICOS. SEGUNDO LUGAR NO CONCURSO ESTRELAS DE PRATA. SEGUNDO LUGAR NO CONCURSO ESTRELAS VESPERTINAS TERCEIRO LUGAR NO CONCURSO LEITURA NACIONAL MELHOR SINOPSE DE FANTA...