Lua Minguante I

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A banda

Os rapazes se reuniram na casa de Marcos, discutiram possíveis músicas para o Festival de Bandas Novas e experimentaram tocar algumas. Aquelas mentes tão afogadas em suas próprias angustias se libertavam quando produziam som em seus instrumentos. Sabiam que era um sonho possível, eles tinham harmonia e ardor. 

− Vamos pelo beco? – perguntou Miguel a Caio ao final do ensaio.

A noite estava extremamente escura e abafada. Já passava das onze da noite e as ruas estavam desertas. O beco era o caminho mais rápido para chegar em casa. Eles caminhavam conversando sobre os planos para a banda e nem percebiam o suspiro do silêncio. No céu, a lua estava negra e as estrelas escondidas pela camada densa de nuvens.

De repente, um bicho saltou diante deles, os dois arquearam o corpo com o susto. Só depois de alguns segundos recobraram a realidade e começaram a rir.

− Um gato preto atravessa nosso caminho numa noite de sexta-feira treze! – zombou Caio.

− Tem medo do azar? − Miguel se curvou para passar a mão no pelo do bichano.

− Você é quem gosta de provocar a sorte ou seria, provocar o azar?

Naquele instante, um carro azul metálico dobrou a esquina e estacionou a poucos metros deles. Caio observou uma mulher de cabelos negros e longos saindo do automóvel, desfilando um vestido vermelho e curto. Ela se debruçou na janela do motorista, segurando um cigarro entre os dedos.

Aquela cena tão estranhamente familiar: a imagem embasada de uma lembrança passou em segundos pelo seu pensamento. A mesma cena, só que ele estava dentro do carro, deitado no banco de trás. O cheiro do cigarro queimando sua garganta, a voz daquela mulher, seu olhar debochado... Quando ele saiu do transe, o carro já ia longe, e a mulher já sumira na portaria de um prédio.

− Está parado aí por quê? – perguntou Miguel.

− Que carro era aquele?

− Aquele carro que arrancou agora? Sei lá... Era um carro azul escuro, tipo sedan... Não vi a marca.

Caio não respondeu, caminhou até em casa tentando entender a ligação entre a cena e a lembrança despertada em sua cabeça. Quando chegou em casa, as luzes estavam apagadas. Ele caminhou pelo corredor e pôde ouvir o som da televisão vindo do quarto dos pais. Seu coração estava angustiado, não conseguia compreender claramente, mas aquela lembrança tinha a ver com o pai. Ele abriu a porta do banheiro e sentiu o bafo quente de vapor de um banho recente.

− Oi, irmão, foi bom o ensaio?

− Sim. E o pai, está em casa?

− Chegou tem uns vinte minutos, ele acabou de sair do banho.

O rapaz se calou. Aquele carro que viu no beco era extremamente parecido com o carro do pai.

− Marcaram alguma coisa para o fim de semana? — quis saber Rebeca.

− Talvez domingo... Tem um aniversário na família do Marcos no sábado.

Caio seguiu até a sala. Lá estavam a carteira e a chave do carro do pai. Pensou em vasculhar na carteira e ir até o carro tentar descobrir alguma coisa que confirmasse ou removesse a desconfiança. Mas Rebeca continuava atrás dele como uma sombra.

− Algum problema, Caio?

− Não. Eu vou tomar um banho e dormir.

Rebeca entrou em seu quarto. Não acendeu a luz, abriu a janela e contemplou a lua minguante. Lembrou-se da avó explicando que naquela lua devíamos retirar tudo o que pesava em sua vida. Cada sentimento doloroso, cada pensamento perturbador, mas não era fácil. Ela sentia-se só naquela casa. O irmão era a única companhia alegre naquela casa, mas estava cada vez mais estranho. O pai estava cada vez mais distante e ausente, a mãe cada vez mais triste e silenciosa.

"Esse casamento já acabou, mesmo que eles não admitam o fracasso. O que mais dói é a covardia, que abre feridas em todos. Até quando vamos ter que suportar essa angustia? O que ainda precisa acontecer?" – escreveu Rebeca em seu diário.

Ela foi até a cozinha e buscou uma bacia d'água, colheu algumas pétalas de rosas no jardim que cultivava na pequena área externa. Banhou suas mãos e braços, depois rosto e pescoço, por fim os pés. Aquele pequeno ritual que via sua avó fazer desde criança, aquilo lhe trazia alento e levava energias ruins nas noites de lua minguante. Só assim, sentindo-se mais próxima da paz de sua avó, Rebeca pôde dormir.

Os Olhos da Deusa (completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora