A Lua Crescente II

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Os primeiros dias de carnaval

A galera amanheceu na casa na beira da praia. Tiraram a bagagem da vã e correram para o primeiro mergulho. A sensação era de descarrego no sal e reconciliação com a água.

Lavínia não vestiu o biquíni e se sentou na areia com Marina, enquanto os outros mergulhavam. Decidiu ir, depois da insistência e promessa de Gustavo de que não a deixaria sobrar em meio aos casais. E depois de muitas desculpas e mimos de Priscila.

Os quatro, Rebeca, Caio, Thaís e Miguel, decidiram tentar equilibrar diversão e atenção. Sabiam que a Lua de Sangue só aconteceria na terça à noite e ainda não havia sinal da ruiva. Perla se hospedou numa casa próxima e discreta.

Os bloquinhos, a praia e os churrascos eram os compromissos dos dias que antecediam a lua de sangue. Marina cultivava a simpatia de Thaís desde o princípio, evitando dar margem a dúbios sentidos.

— Você se lembra de mim? — Marina a perguntou longe dos outros – eu acho que eu te ajudei um dia que você passou mal na rua... Você se lembra?

— Sim, eu desmaiei e você me ajudou — respondeu Thaís ainda ressabiada.

— Nossa, eu fiquei tão preocupada porque você saiu correndo. — Marina pegou em suas mãos com delicadeza e doçura no olhar. — Que bom te ver bem.

Aquilo fez Thaís ficar confusa. Marina era tão convincente. Era como se toda aquela história de batalha não passasse de fantasia. À tarde ela se ofereceu para fazer sua maquiagem para o bloquinho daquela noite. O tema para a fantasia das meninas era: caveira mexicana. Marina preparou-se num ritual antes de se aproximar de Thaís. Ao tocar-lhe o rosto, os cabelos, ao falar com ela, estabelecia uma conexão sedutora.

— Você e o Miguel formam um belo par. Ele é um cara divertido, aliás, super extrovertido. Equilibra bem com a sua timidez — Thaís sorriu, começava a sentir-se bem na companhia de Marina.

Lavínia observava o grude dos primos com as namoradas. Priscila fazia de tudo para agradá-la, mas não parava de agarrar Marcos o tempo todo. Rebeca a ignorava, a antipatia mútua era bem clara e Lavínia pretendia usar isso a seu favor.

— Vamos almoçar na varanda, primo? — pediu Lavínia, emoldurada num sorrisinho pueril e sedutor que sempre funcionava com Gustavo. Rebeca não conseguia controlar o ciúme.

— Ela é prima dele — disse Thaís, tentando amenizar a situação — eles são amigos. Controla esse ciúme e procura se dar bem com ela.

A tática era eficiente: Rebeca distraía-se com Gustavo e Lavínia e deixava o caminho livre para Marina se aproximar de Thaís. Mas, para Perla o que interessava era o desequilíbrio das energias. Os sentimentos negativos que cresciam em Rebeca alimentavam a instabilidade e tirava o foco da verdadeira missão daquele feriado.

Todos pulavam no bloco, Priscila mantinha o nível de agitação da galera elevado, estimulando a irreverência e os pequenos desafios entre eles.

— Quem aguentar descer até o chão por mais tempo ganha uma caipirinha por minha conta!

Durante uma dessas brincadeiras, Lavínia e Gustavo sumiram. Ele não avisou a Rebeca que sairia com a prima e ficaram sumidos por mais de uma hora.

— Babaquice do Gustavo, hein — disse Caio.

— Quando ele voltar, nós saímos para dar uma volta com você! Deixe ele sentir na pele — emendou Carol — Eu sempre soube que aquela Lavínia não era confiável.

— Você acha que está rolando alguma coisa? — irritou-se Rebeca sem pensar —Eles são primos criados como irmãos...

— Não são irmãos.

— Menos, Carol! O problema não é a Lavínia. Gustavo é quem está agindo mal com Rebeca. Ela está solteira e queria dar uma volta — defendeu Caio.

O álcool misturado ao clima de pegação e o ciúmes crescendo sem freio era a fórmula fatal para Rebeca. Ela olhou em volta: Priscila e Marcos se beijando, Carol nos ombros de Caio, Thaís dançando com Miguel. Sentiu a maquiagem derreter com o suor, o cabelo grudar nas costas, a visão ficar turva. Então, caminhou para fora da multidão, atravessou a avenida beira-mar, arrancou os tênis e colocou os pés na areia. Caminhou na direção do mar e sentou-se.

— Não foi isso que eu te pedi, minha Deusa. Eu pedi um amor que me fizesse bem. Isso é tortura. Sou eu quem está errada? O meu ciúme é injustificado? Como eu faço para me livrar disso? Ou para me livrar dela... — Seu coração bateu mais forte. Os Olhos da Deusa brilharam na sua orelha, ela deitou-se na areia e mirou na lua quase totalmente cheia.

Só deram falta de Rebeca quando Gustavo e Lavínia retornaram. Caio ficou nervoso e não escondeu de Gustavo.

— Culpa sua.

— Foi mal cara, demoramos a encontrar o banheiro, depois entramos na fila para a bebida...

Marcos percebeu a satisfação de Lavínia, mas preferiu ficar quieto. Percebia cada vez mais o prazer que a prima tinha em provocar Rebeca. A galera discutia  se saíam para procurá-la ou se era melhor esperar ali. Ninguém levou celular, o bloco era uma multidão, encontrá-la era quase impossível.

— Ela vai voltar — disse Thaís — Ela sabe onde estamos.

Entre a luz da lua e a visão de Rebeca, brilhavam hipnotizantes luzinhas. Ela sentiu seu coração acalmar. A maré subiu e a água tocou seu corpo até os joelhos, as energias ruins descarregaram na água salgada.

— O clima pesou, cara — sussurrou Marcos a Gustavo.

— Eu juro que não percebemos que sumimos tanto tempo... Ela ficou muito nervosa? — perguntou Gustavo.

Priscila fez que sim com a cabeça, depois piscou o olho para Lavínia. "Rebeca é mais fácil de perturbar do que eu imaginava."

Rebeca fez seu pequeno ritual à luz da lua. Quando retornou ao bloco, parecia renovada: a pele limpa da maquiagem derretida, os cabelos molhados formando cachos, as flores brilhando nos cabelos.

— Onde você estava? — perguntou Caio.

— Está tudo bem? — Priscila se espantou com a transformação.

— Desculpa, Rebeca — Gustavo encostou testa com testa e a encarou nos olhos.

Ela desculpou com o olhar. Um olhar que o hipnotizou pelo resto do feriado. Ao verem Rebeca transformada, sua beleza luminosa, sua postura confiante, Lavínia e Priscila começaram a sentir o desconforto da maquiagem derretida e dos cabelos grudados nas costas pelo suor abundante. Era visível a diferença entre elas, de fato, cada um paga seu preço por seu desejo.

Os Olhos da Deusa (completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora