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Foi bastante difícil reviver aquele momento, acho que a camisola do Afonso está encharcada com as lágrimas que escorreram pelo meu rosto. Continuo com a cabeça encostada no peito dele, ele está a fazer carinho com as mãos nas minhas costas, numa tentativa de me acalmar. As lágrimas que tinha que chorar já caíram, mas tenho a certeza que se tivesse mais elas cairiam. Os meus soluços devido ao choro teimam em não acabar e ficam cada vez mais fortes, agarro com mais força a camisola do Afonso.

- Infelizmente foi preciso os meus pais falecerem para eu entrar no mundo real e ver a falsidade que nele existe. Aqueles que diziam estar lá sempre foram os primeiros a ir, e foram saindo aos poucos da minha vida ficando apenas duas, as verdadeiras, mas por conta da universidade, mesmo esta ainda não tendo começado, acabamos por nos separar um pouco. Num curto período de tempo, de cerca de um mês, fiquei sem ninguém.... É difícil querer continuar a viver com este buraco enorme dentro do peito. Mas eu tenho um sonho e sei que os meus pais querem que eu o realize e já está quase...

- Tu tentaste...

- Sim... Uma semana após a morte dos meus pais falecerem tentei colocar um ponto final à minha vida, mas quando tomei consciência do que estava a fazer chorei imenso, e vim para a praia, o único local que me consegue acalmar...

- Eu... Eu...

- Não precisas de dizer nada Afonso, eu sei o que fiz, quer dizer, tentei fazer e não me orgulho mesmo nada disso... Na altura pensei "Estou sozinha, as únicas pessoas que realmente me amaram e amam partiram, a única solução para ir ter com elas é por fim à minha vida, por um fim à escuridão e à solidão que me rodeia". Mas depois pensei melhor, e a melhor forma de "vingar" a morte dos meus pais é concretizar o meu sonho e prosseguir com o sonho deles. Aí entra a tatuagem, nesse mesmo dia depois de tanto pensar enquanto olhava para o mar decidi ir faze-la. Quando vi esta flor, o tatuador contou-me o seu significado e pronto, agora tenho-a no meu pulso...

- E como já te disse é linda.

Ele foi diminuindo o aperto que estava a fazer no meu corpo e eu fiz o mesmo. Quando já não estávamos mais abraçados ele virou-se para mim e encarou-me. Um pequeno sorriso começou a brotar nos seus lábios.

- O que foi? - perguntei um pouco envergonhada e desconfiada.

- Estava a rever o que disseste na minha cabeça... Mas tu não estás sozinha! Tens agora a minha pessoa como companhia e a minha amizade, portanto não estás mais sozinha!

- Desculpa.... É que como não nos conhecemos, porque a verdade é essa - ele tentou interromper-me, mas eu não o deixei - Não sabemos nada um do outro, quer dizer tu já conheces esta parte mais recente da minha vida, mas de resto não sabemos mais nada acerca um do outro. Mas sim Afonso, eu já te posso considerar meu amigo!

Ele sorriu - Obrigado por me deixares ser teu amigo e também me deixares ir entrando na tua vida aos poucos!

- Somos uns aspirantes a grandes amigos! - gargalhamos os dois.

- Aurora, eu não quero ser muito desmancha prazeres, mas já é tarde, é melhor irmos embora!

- Que horas são?

- 21:18 - respondeu olhando para o visor do telemóvel.

- Sim tens razão, já é tarde.

- Eu sei que moras aqui perto, mas queres que te leve a casa? Está de noite e se fores sozinha fico preocupado.

- Só se aceitares jantares lá em casa!

- Combinado! Vou enviar uma mensagem a avisar o meu irmão.

Lótus  (Afonso Silva)Onde histórias criam vida. Descubra agora