Foram recebidos com cautela. Olívia nunca é vista acompanhada. O último homem que esteve ao seu lado havia sido Orange, e isso já contava mais de doze anos. E agora, estava lá, com um homem visivelmente mais velho, poucos centímetros mais baixo, de cabelos grisalhos, com uma postura austera e intimidante. A aniversariante foi a primeira a ser apresentada naquela noite. Orange seria o último.
O Sr. White entendeu quem ele era e o que ainda representava para a mulher sorridente ao seu lado. Se aquele homem ruivo, mal arrumado, não tão mais alto que ele, não fosse ainda importante para ela, não teriam várias fotos deles juntos espalhadas pelo seu apartamento.
Era algo de seu passado que ainda mantinha perto. Os dois homens se mediram. Os dois na mesma intensidade sentiram ciúmes. Um pelo passado e o outro pelo presente, e quem sabe, pelo futuro.
O bar estava tomando pela nostalgia dos anos em que aquela turma se divertiu durante as noites mal dormidas, regados de muita cerveja e trocas de beijos. Houve brigas. Muitas. Porém, houve mais cumplicidade do que encontrariam em outro lugar.
O Sr. White teve algo similar em sua juventude perdida, e um amor que lhe foi arrancado abruptamente. Algo que ele bloqueava de sua mente com perfeição. Tornou-se duro e distante de qualquer possibilidade de reencontro afetivo. Esse era o plano. Carmim atrapalhou, e agora, ele queria manter o máximo esse contato com as emoções.
O balcão ficou pequeno. Acomodaram-se em uma das mesas perto ao palco. Orange a engolia com os olhos, enquanto cantava as músicas que embalaram a história de amor que compartilharam. Olívia cantarolava. Bebia. Ria. E em nenhum momento que esteve ao lado do Sr. White deixou de manter contato com o seu corpo. Não houve troca de beijos. Não faria isso na frente de Orange. Segurou as suas mãos. Acariciou os seus cabelos – tinha uma queda por eles –, limpou o seu rosto. Falou ao seu ouvido.
Foi chamada ao palco. Em coro, todos ali presentes gritavam o seu nome, exceto o Sr. White. Olívia tímida. A sua verdadeira identidade era assim. Pegou a caneca com cerveja em suas mãos delicadas. Bebeu quase inteira. Pediu licença à White. Ele levantou lhe abrindo espaço e o rastro do seu perfume invadiria as narinas do homem.
Observando ela em cima do palco, com a luz incidente, pode comprovar aquilo que já sabia. Era a mulher mais linda de sua vida. Ela poderia não ser a mulher mais bonita no mundo, de fato, estava longe de ser, mas do universo do Sr. White, Olívia, e não Carmim, reinava absoluta.
A música começou. Head over feet de sua cantora favorita Alanis Morissette. Orange, na guitarra acústica, ditava o ritmo. Olívia, segurando o microfone, esperava a deixa para entrar no tom. E a voz dela eclodiu. Dois homens naquele ambiente foram levados para outra dimensão.
Aquela música significava muito para o ex-casal. Muito do que a letra dizia de fato acontecera para ambos, porém, naquele momento em que a letra dizia:
"You've already won me over in spite of me
Don't be alarmed if I fall head over feet
Don't be surprised if I love you for all that you are
I couldn't help it
It's all your fault..."
"Você já me conquistou mesmo contra a minha vontade
Não se assuste se eu me apaixonar da cabeça aos pés
Não se surpreenda se eu lhe amar por tudo o que você é
Eu não pude evitar
É tudo culpa sua..."
Era para o Sr. White que Olívia olhava. Era para ele que aquelas palavras estavam sendo destinadas. As mesmas que um dia haviam sido para o rapaz ruivo e impulsivo ao seu lado, tentando manter-se firme até o final da canção. A sua música com ela, que agora estava sendo destinada ao outro cara, bem ali, debaixo do seu nariz.
Aplausos seguidos de gritos. Henry sorria de forma sincera. Orange sorria tentando disfarçar a sua frustração. Olívia, constrangida, deixou o palco. Parou no balcão do bar e pediu um shot de tequila. Depois outro e outro. A cabeça rodou junto com a música que era tocada para lhe afrontar. Thinking about you do Radiohead.
"Been thinking about you, and there's no rest,
shit I still love you, still see you in bed.
But I'm playing with myself, and what do you care
when the other men are far, far better..."
"Estive pensando em você, e não tenho descanso
Merda, eu ainda te amo, continuo te vendo na cama
Mas estou brincando comigo mesmo e porque você se importaria
Quando outros homens são muito, muito melhores..."
Orange era dessas pessoas que quando queria ser cruel beirava a perfeição. Poucas pessoas naquele lugar teriam a sensibilidade de entender o peso daquelas palavras cantadas. Os três envolvidos conseguiam ir além.
Sabia que deveria ter voltado à mesa. O Sr. White estava sozinho. Então, se lembrou das vezes em que ele a deixava sozinha com aquelas pessoas esnobes que iam aos eventos sociais. "Ele vai sobreviver", foi o que pensou jogando mais uma dose goela abaixo.
A música parou. Orange anunciou uma pequena pausa. Vaias podiam ser escutadas, em seguida, gargalhadas. As bebidas começavam a fazer efeito naquela turma. Ela pode vê-lo indo na sua direção. Ergueu a cabeça e o encarou da mesma forma.
— Que porra foi aquela, Olívia? Tinha que trazer aquele cara aqui?
— Acredito que estamos em um país livre, portanto, podemos ir para onde quisermos e com quem desejar.
— Ele tá te pagando hoje?
— Não é da sua conta! E que provocação mais idiota a sua de me fazer subir no palco e cantar com você. E essa merda de música que escolheu...
— Merda de música? Você cantou a nossa música olhando para ele, querida. Nunca pensei que você fosse trazer esse lado da sua vida para o meio de nós. Eu sempre te apoiei em tudo. Fui um dos poucos que entendeu e ficou do seu lado, e agora você traz a porra do seu cliente para a festa de aniversário da única amiga que lhe restou?
— O que queria que eu fizesse? Ele apareceu do nada na minha casa, não podia mandá-lo embora.
— Você pode. Mas não acho que seja o que queira. Nota-se que ele pode te dar tudo o que você sempre sonhou, até mais.
— Tem razão, ele pode, e não quero que ele vá.
— Viu como tudo fica mais fácil quando é sincera? Devia voltar para a mesa. Seu cliente a espera e eu sei que as horas ao seu lado são muito caras.
— Está sendo um idiota agora. Vou relevar o que acabou de me dizer porque sei que está com ciúmes.
— Tanto faz.
Orange deu lhe as costas. Mais um minuto olhando naqueles olhos cor de mel, não aguentaria segurar as lágrimas. Um nó apertado comprimia a sua garganta. Tomou um gole de cerveja já no seu lugar em cima do palco pequeno e improvisado. Encarou o homem que estava roubando o amor de sua vida. E a música tornou a preencher aquele ambiente minúsculo, lotado de pessoas alheias aos corações que estavam sendo despedaçados.
Olívia deveria ter retornado para mesa. A raiva que lhe subia pela espinha a impediu. Pediu mais dois shots de tequila virando um em seguida do outro. Seus olhos embaçaram, e dessa forma, seguiu tentando firmar os seus passos até o banheiro.
O Sr. White, de onde estava, pode observar tudo o que aconteceu desde o momento em que ela abandonou o palco, passando pela provocação do ex-namorado, a discussão que desencadeou, e agora, a via desmoronar nas suas incertezas e conflitos. Estava na hora de partir.
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Encontro com o Prazer - Livro 1 [Completo]
Literatura FemininaExiste o momento certo de parar? Elisa Carmim estava decidida quando escolheu ser uma acompanhante de luxo. Agora passado tanto tempo dessa escolha, sente que chegou a hora de abandonar, antes de entrar em decadência. Não se perdoaria se isso aconte...