Capítulo 4

123 9 0
                                    

Se calhar fui directa demais. Mais alguns rodeios não faziam mal nenhum. Agora fiquei nervosa. 

- O teu avô... Sabes, estive este tempo todo a tentar adiar esta conversa. - ela tentava escolher as palavras certas - Não quero que fiques com uma imagem errada da tua avó... 

-Da avó? Não é da avó que eu quero falar, é do avô. - eu disse confusa. 

-Eu sei. É um assunto um tanto delicado, Charlotte. 

-Olá minhas queridas! - o meu pai acabava de chegar.

-Já por aqui pai? - eu disse surpreendida. 

-O quê? Fiz mal em vir mais cedo? - ele diz, rindo-se - estás a cozinhar Cher? Está tudo bem contigo ou passou-se alguma coisa? - ele goza comigo. 

-Está tudo bem, e não, não fizeste mal em vires mais cedo. Hoje o jantar fica por minha conta. Que tal irem jantar fora? O dia dos namorados já foi no mês passado, mas como não o festejaram em condições... - eu sorri esperançosa de que a minha proposta fosse bem aceite, precisava de pôr as ideias em dia.

-Huum... Acho que não nos fazia mal nenhum, não é querida? 

-Não, claro que não. Vou preparar-me. Tens a certeza que dás conta do recado Cher? 

-Sim mãe, sem problema! 

-Está certo meninas. Vou tomar um duche. - ele retira-se da cozinha. 

-Falamos amanhã, sim? Está na altura de te contar o que realmente se passou. 

-Está bem mãe, amanhã falamos disso. - eu disse pensativa.

Bem, tanto mistério. Na verdade a única coisa que me contaram sobre o meu avô é que ele estava numa missão em África. Mas tanto tempo? Eu tinha uns 6 anos quando mo disseram. Não acredito que ainda lá esteja passados dez anos. É mesmo bastante improvável. Mas porque me haveriam de mentir? Deve ter-se passado algo grave. Quando perguntava à minha avó onde estava o meu avô, ela ficava em baixo e mudava de assunto. Sempre pensei que fosse pelas saudades que devia sentir. Agora não sei nada. Era hoje, mas os meus planos raramente dão certo. Estou com o pressentimento que aquele diário me trará as respostas que eu procuro. 

Vou concentrar-me no jantar de momento. O arroz ainda não está pronto e eu acho que não há maneira de o conseguir fazer. Sempre tenho sopa... E chocapic! A minha avó costumava dar-me sopa com chocapic, só assim a conseguia comer quando era criança. Ainda hoje como às escondidas, é uma das minhas refeições predilectas. 

De volta ao sótão. Daqui tenho vista privilegiada para a casa do vizinho. Wesley está numa das mais conceituadas universidades do mundo, daí estar a viver no Porto de momento. Mudou-se para cá no início do ano. Ainda me lembro da felicidade que senti quando soube que se mudaria para o Porto. Ainda mais depois de saber que o ex-vocalista da banda " Give Me More" ia mesmo ser meu vizinho. Tenho orgulho em Portugal. Nestes últimos anos tem evoluído mais do que nunca. Tornou-se numa das línguas mais faladas no mundo e agora é muito mais fácil comunicar. E ainda bem que assim é, de outra maneira não conseguia ter falado com ele, visto que o meu inglês é péssimo! O que é difícil de compreender. A minha mãe nasceu na Irlanda, daí o seu nome ser Darcy. É uma das poucas coisas que sei sobre o meu avô, ele era Irlandês. Há coisas difíceis de compreender na minha família, mas é melhor não pensar muito nisso.

Coloquei uma cadeira perto da janela para conseguir ver por lá. Já era de noite, mas ali estava o Wes, na varanda do seu quarto. Na altura nem reparei, mas agora pergunto-me porque meteu ele conversa comigo. Será que queria alguma coisa mas com tanto desastre se esqueceu do que era? Decerto nunca saberei. Neste momento ele parecia estar entretido a olhar para as estrelas. O lugar onde estávamos era um dos lugares mais calmos da cidade. Abri a janela para entrar um pouco de ar e claro, para ter um melhor campo de visão para a minha "flor". Começo a ouvir um barulho vindo do meu bolso, reparo que é o meu telemóvel. "A receber chamada de Miguel". Era o meu ex-namorado. Tinha acabado comigo há precisamente dois meses, sem motivo aparente. Foi o tempo suficiente para me aperceber do que ele era. Não atendi e continuei a olhar pela janela. Tenho que dizer alguma coisa ao Wesley, afinal somos vizinhos, não posso desperdiçar esta oportunidade. Uma das pernas da cedeira onde estava em pé para conseguir ver pela janela partiu, de repente. Um barulho estrondoso ecoou pelo exterior. Só espero que ele não tenha ouvido! Só me acontecem desastres, santo Deus!

Ouço a campainha de casa a tocar, 2 minutos após o desastre. Desço as escadas e vou em direcção ao hall de entrada. Para meu espanto, era Wes que estava do lado de fora. O meu coração começou a bater mais rápido do que nunca, não estava nada à espera. Ganhei coragem e abri-lhe a porta. 

- Wesley? - eu disse numa voz tímida. 

-Ouvi um barulho vindo daquela janela - ele aponta para a janela do meu quarto - pensei que tinha sido alguém a tentar entrar na tua casa. - parecia preocupado. 

-Oh. Não, não foi ninguém, penso eu. Talvez tenha sido o meu cão, não sei. Estava cá em baixo, nem ouvi nada... - eu disse da maneira mais convincente que consegui. Pareceu resultar, visto que ele ficou mais calmo. 

-Ah, pronto, fico mais descansado. Preocupo-me muito com as minhas fãs. - ele diz rindo-se, tentando fazer troça de mim. 

-Eu não sou tua fã! O cã... - ele põe o seu dedo nos meus lábios como sinal para eu não falar mais. Eu congelo por completo.

-Tudo bem, é só a brincar. - lança um sorriso charmoso. 

-E...Eu sei. - eu digo atrapalhada. 

-Bem, vou dormir, tenho que acordar cedo amanhã. A vida de universitário não é fácil. - ele sorri com ar superior.

-Compreendo. - sem saber o que dizer. 

-Ainda não compreendes... Mas com certeza irás compreender. Bem, adeusinho Wes... Charlotte. - ele diz com uma gargalhada.

-Adeus Wesley! - eu digo com uma expressão irritada.

Ele irrita-me, muito. Ainda se acha superior, detesto gente convencida! Mas por outro lado... Ele mexe muito comigo. É atracção, claro. Afinal sou fã dele... 

Subo para o sótão. O diário da minha avó está em cima da cama. Abro-o. Sim, é agora. Vou lê-lo. 

Strange CoincidenceOnde histórias criam vida. Descubra agora