Capítulo 20

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        Não sou digno para ser chamado de pai, não por você que sofreu por anos, tampouco pelos seus irmãos, que sequer chegaram a ver o mundo naquela outra vida. Eu matei todos, nem mesmo havia lhes dado nomes. Eu era de fato um miserável monstro. Talvez... ainda seja.

Mercúrio parou a pena no meio da folha, suas lágrimas mancharam a tinta nas páginas já escritas, obrigando-o a começar novamente.

Ele estava em seu escritório, satisfeito por ver a neve sumindo aos poucos pelo poder dos bruxos e da bruxa, quando como um soco no estômago, ele foi levado até a última torre de seu castelo, lá ele era uma criança, não tinha os cabelos loiros, e em seus braços grossas correntes o impediam de se mover, ele só podia encarar um pedacinho do céu azul através da janela, suas noites eram intoleráveis, não dormia deitado, a cama fora consumida pela goteira, e mesmo se estivesse apta para dormir, as correntes em seus pulsos não o permitiam se levantar da cadeira.

― Filho meu. ― Chamou Beatrice destrancando a porta e se agachando para perto dele. Mercúrio começou a chorar, e a dor em seu peito o incomodou. Tentou conter a emoção de ter sua mãe ali, porém, foi inútil, era inevitável sentir tudo o que sentia todas as vezes que ele a via, pois era sua única esperança.

― Mamãe... a senhora não veio durante muitos dias... pensei que me temesse. ― Beatrice acariciou o rosto desnutrido da criança. Uma dor aguda a fez engolir em seco, era mágoa.

― Desculpe, o rei... ele descobriu que eu vinha aqui com muita frequência.

― Mamãe... por que eu sou assim? Por que escuto essa voz? Ele diz... ele diz que foi a senhora e o rei que o colocou em mim. Ele diz que quer que eu morra... ― A bruxa segurou o choro, colocou as mãos na cabeça de Mercúrio, e silenciou por um tempo Gomon, passou a chama-lo assim, pois significava àquele que não é humano.

Abraçou o menino, em seguida soltou as correntes, seus pulsos estavam em carne viva, engoliu em seco, usou muito de seu poder para fazer curar mais rápido, curar pessoas era a única coisa que a bruxa deveria se limitar a fazer, não possuía mais o corpo de deusa, era apenas uma mortal com poderes enormes, curar os outros, significava tirar de si alguma coisa.

Mas Beatrice não se importava, continuaria curando-o, e aliviando sua dor, talvez assim, a culpa desaparecesse-se.

Mercúrio envolveu seus pequenos braços ao redor dela em um abraço cálido, chorando e implorando para que ela o libertasse daquela prisão.

― Meu querido... eu não posso, o rei...

― A senhora tem poderes... pode me libertar. ― Beatrice se afastou, fez surgir a bandeja com o jantar que estava sendo preparado na cozinha, desviando-o do assunto.

Por que você é perigoso... por que tirei a humanidade daquele pobre homem... sussurrou para si mesma.

***

Vou te matar... um dia mato... te destruo, infeliz.

― Por que? O que eu fiz?

Não sabe? Eu já disse mil vezes, você não acredita que ela nos deixou assim. Ela não é sua mãe... Ela é uma bruxa que tem poder para destruir um reino ou construir um.

― Mamãe não é má. É a única que não me chama de monstro e não tem medo de você.

Se é isso o que você acha... então, quando ela vier novamente e perguntar o que você fez... ― Gomon tomou posse dos braços de Mercúrio e então fez as correntes se quebrarem em um golpe. ― Mostre os braços soltos, e sorria. Mas não um sorriso amigável, um sorriso maligno.

Princesa Feroz  (Livro II )Onde histórias criam vida. Descubra agora