A verdade

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Capítulo narrado por Monique (vocês já vão saber quem é)


— QUAL SERÁ O GOSTO DA SUA CARNE? AHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

Eu já estava louca para ver o medo em seu lindo rosto. Muitas vezes lancho um ódio aqui, experimento uma raiva ali, mas o medo é o que preenche a minha alma amaldiçoada e me faz afundar mais ainda no pecado.

Por algum motivo ela não esboçou nenhuma reação às minhas palavras, forcei ainda mais as minhas garras em seu pulso. Não posso admitir que alguém tão fraca possa resistir a mim. A garota, apesar de meio pálida, me olha como se tivesse pena ou se nada pudesse até mesmo tocar em um fio de seus cabelos.

— Eu não tenho medo. Vá em frente! — A menina agarrou meu pulso e puxou em sua direção — Eu não tenho o que perder. Que mal você ainda pode fazer para mim?

Retirei as minhas garras e voltei a minha forma humana, de algum jeito percebi que ela podia ver o meu rosto, ou parte dele.

— Você deveria ter medo. Eu não sou nem de perto o seu pior problema! Existem monstros piores por aí e muitas vezes parecem ser uns anjinhos  com você.

— Eu sei! A Bia me falou mais a respeito dos vampiros.

— Vampiros? Ah! Deve ser como nos chamam, não é? Eu não estava me referindo a nós. Tome cuidado com quem parece ser bonzinho demais.

— Como posso acreditar em você? Outro dia mesmo estava tentando matar mais um senhor de idade.

— Eu não sou uma boa pessoa, mas eu já fui humana um dia. Você me faz lembrar um pouco da minha irmã mais nova. Sempre tentando ajudar as pessoas enquanto ela mesma sofria por uma doença terrível, eu não agüentava mais vê-la desmoronando na minha frente enquanto sustentava um sorriso de pura felicidade por suas ações. Ela nunca chorou! Até mesmo no dia em que eu a matei, ela olhou nos meus olhos e fazendo um carinho nos meus cabelos ela apenas disse que me perdoava e se foi.

— Você a matou? Você é mesmo um monstro! TE ODEIO!!! — Finalmente ela estava gritando, mas eu já não sentia nenhum prazer nisso.

— Não precisa dizer o óbvio. Eu nunca me perdoei pelo o que fiz, mesmo atendendo a um pedido dela. Sua doença chegou a um ponto sem volta, suas pernas atrofiaram e aos poucos ela perdia o brilho no olhar, ela não suportava a ideia de morrer travada numa cama, sem poder nem mesmo despedir-se.

— Posso saber o seu nome? Desculpe tê-la chamado de monstro novamente.

— Há muitos anos atrás costumavam chamar-me de Monique. Não precisa dizer o seu Camille, está estampado em sua testa. Você precisa saber de muitas coisas, você ainda tem uma chance se tiver força de vontade o suficiente.

— Você sabe o que está acontecendo comigo? Por que ninguém fala comigo ou me trata como uma adulta?

Eu podia sentir um pouco de raiva emanando de suas palavras, mas eu não conseguia culpá-la. No estado em que se encontra eu já teria pirado.

— Vamos encarar os fatos. Você nunca saiu daquela cama.

— Como assim? Eu estou bem aqui. Pare de inventar qualquer coisa. Se não quer dizer, apenas me deixe.

— Olhe com mais calma para a cama. Você não vê os aparelhos a mantendo viva? Você não vê seu corpo magro sobre a cama? Tente separar o que é real e o que é ilusão, deixe de lado essa ingenuidade idiota. Sua burra!

— Não, não, não! Eu estou tomando remédios. Estou melhorando. O doutor Gabriel disse que logo eu vou ver a minha família.

— Se iria ficar inventando desculpas, porque queria ouvir a verdade? Queria ouvir mais uma das mentirinhas que contam para você?

Aos poucos a névoa sobre a Camille ia se dissolvendo e pude pela primeira vez ver a sua fisionomia por completo. Ela logo começou a chorar debruçada sobre seu próprio corpo, não parava de soluçar e perdia o fôlego como se estivesse respirando de verdade. Eu ainda tinha muita humanidade em mim e senti profundamente o seu desespero e agonia.

— Você tem uma visita! — Eu podia sentir que tinha alguém do lado de fora do quarto, talvez hesitante pela minha presença — Eu vou deixá-los a sós.

— Não! Eu quero que você fique, por favor. Não confio em mais ninguém, Monique.

— Na verdade você confia muito fácil nas pessoas, até mesmo em monstros como eu — Fui até a porta de pedi para que o visitante entrasse.

Ainda em lágrimas, Camille correu e abraçou fortemente o idoso que tinha acabado de entrar no quarto. Pareciam se conhecer há muito tempo, embora eu soubesse que não era verdade.

— Olá avô do John! Você está de pé? — Era inacreditável como ela de uma hora para outra já estava feliz novamente, apesar do rosto inchado pelo choro recente.

— Meu anjo, pode me chamar de Jonathan! Eu vim apenas agradecer-lhe e me despedir. Eu não preciso mais permanecer aqui. Você me iluminou na hora em que eu mais precisava. Posso te pedir uma coisa?

— Claro! Pode sim senhor.

— Melhore e saia desse lugar. Quando estiver fora cuide do meu neto, por favor.

— Cuidar do seu neto? Porque o senhor me pediria algo assim? O senhor não está melhor?

— Minha jovem, não me sinto tão bem há anos, mas preciso ir a outro lugar e não poderei ver o meu neto por algum tempo. Faria esse favor por mim?

— Faço sim, mas só enquanto o senhor estiver fora. Eu prometo!

— Bom, agora posso ir mais aliviado. Cuidado com essa aí! Esses seres só querem saber deles mesmos — Ele me encarou seriamente, mas eu já estava acostumada com essas caras feias. Logo em seguida ele se foi tão silenciosamente quanto chegou.

— Eu esqueci de perguntar para onde ele estava viajando — Camille estampava um sorriso besta em seu rosto, igual ao da minha irmã.

— Você é muito imbecil!

— Não precisa ofender. O que eu fiz pra você?

— Aquele homem acabou de morrer...

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