Sentia a fraqueza tomando conta do meu ser, o medo se alastrava como um poderoso vírus e em poucos segundos cada célula do meu corpo tremia. Mais do que isso, uma energia estranha e repugnante vinha da criatura e seu fedor pútrido aumentava à medida que ela levantava e se aproximava de mim. Em um momento era possível ver uma silhueta de uma mulher em outro a de um demônio.
— Criança... — A sombra parecia escolher as suas palavras e um incômodo silêncio permaneceu por longos segundos — Não se meta conosco.
Se eu não conseguia me mexer, o que dizer falar. Não parava de olhar para o seu rosto de nuvem negra que em determinados momentos emitiam minúsculos raios.
— Não temos escolha a não ser nos alimentarmos daqueles que já estão próximos da morte.
— Você é a dona morte? — Tomei coragem para perguntar
HAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
Um grito fino e altíssimo veio dela, precisei tapar meus ouvidos para tentar amenizar a dor. Fechei meus olhos em reflexo e quando os abri novamente eu já estava sozinha no quarto novamente.
Tentei esquecer do medo, minhas mãos tremiam. Precisava concentrar meus pensamentos em algo fútil antes que eu ficasse louca.
Estranhamente eu estava fraca demais para levantar da cama e resolvi assistir um pouco de televisão, só para me lembrar que eu ainda não tinha conseguido um controle remoto. Logo agora que eu estava doida para saber se ainda estavam passando meus desenhos favoritos.
Fiquei deitada, olhando para o teto e tentando imaginar o porquê daquele monstro ter vindo falar comigo. Será que ela tem medo de mim? Eu podia sentir uma coisa mais vinda dela, um sentimento que ainda não sei o que é, mas era triste com certeza.
A porta abriu lentamente, eu já olhava apreensiva, uma enfermeira entrou e ficou olhando para mim enquanto anotava algo numa prancheta. Ela tinha seu cabelo castanho preso de uma forma engraçada e seus olhos demonstravam sono, talvez ela tivesse trabalhado durante a noite.
— Moça, você poderia me trazer o controle da televisão? — Fiquei totalmente no vácuo (Sem respostas) por longos dez segundos — Enfermeira!
— Eiiiiiiii! — Eu gritei, mas ela apenas deu mais uma olhada para mim e saiu do quarto.
Pior do que ser tratada como uma criança era ser tratada como um fantasma e eu continuava olhando para aquela TV sem as imagens. Maldita TV!
Eu olhava para o relógio. Como era possível ninguém ter me trazido o café da manhã ainda? Já estava quase na hora do almoço. Comecei a sentir uma tontura, talvez devido à fome, não sei, o quarto começou a ficar mais e mais escuro até que eu literalmente apaguei.
No sonho eu vi meu quarto repleto das mais variadas flores, estava tudo tão colorido. Muita gente chegava pela porta, eu podia reconhecer vários dos meus colegas de escola, a professora Bianca e até meus vizinhos da frente, aqueles que tinham aquele cachorro fofo. Logo meus pais apareceram, era notória a tristeza como me olhavam, minha mãe sempre com meu irmãozinho no colo.
Rapidamente esta cena foi substituída por outra, minha mãe estava sentada numa cadeira ao meu lado. Eu nunca me cansei de olhar para ela, eu sempre quis ser como ela, forte e sempre com disposição para tudo na vida, mas nesse momento seu olhar estava vazio. Decidi ouvir atentamente a história que ela lia para mim, um livro velho e surrado em suas mãos jogava luzes pelo ar mostrando imagens em forma de névoas. Essas imagens ora eram de incríveis batalhas espaciais ora era de um lindo casal namorando sobre a ponte do rio Sena.
Novamente o tempo passou como um pulo interespacial e eu via agora meu irmãozinho correndo pelo quarto enquanto meus pais fantasiavam-se com chapeuzinhos de aniversário e cantavam parabéns para mim. Meu irmão deliciava-se sozinho com um enorme pedaço de bolo.
Fui vendo memória atrás de memória, vi o crescimento rápido do meu irmão. Seu primeiro uniforme do colégio, seu primeiro diploma e até mesmo quando ele veio todo sujo com um uniforme de futebol e foi obrigado a correr das enfermeiras que queriam expulsá-lo.
Finalmente na última memória, meu pai beijava a minha testa enquanto lágrimas escorriam de seus olhos, eu não conseguia ouvir o que ele dizia, mas sua expressão era de uma dor inenarrável. Eu nunca havia visto ele dessa forma, a visão que eu sempre tive dele foi a de um homem impenetrável, mas também carinhoso do seu próprio jeito. Ele nunca levantou sua mão para me bater, mas também não era muito bom com os sentimentos e sempre pareceu distante. Hoje eu via outra faceta dele, uma que eu não tinha tido a oportunidade de ver antes do acidente.
Finalmente abri meus olhos novamente, o doutor Gabriel estava lá com meu controle remoto nas mãos e sorrindo.
— Você estava atrás disso aqui? — Ele jogou o controle sobre mim.
— Precisa dar um jeito nessas enfermeiras, elas nunca me respondem. Que saco!
— Olha as palavras Camille, não combinam com você. Às vezes eu me esqueço que você é apenas uma criança.
— Eu não sou criança! Eu já tenho dezesseis anos — Fiz beicinho e olhei para baixo.
— Sim, quase uma adulta. Posso ver bem! — Eu nunca fui boa para perceber o sarcasmo, mas a cara sorridente dele estava hilária demais para estar falando sério — Da última vez que li o relatório dizia que você tinha dezessete anos.
— Uma dama nunca revela sua verdadeira idade — Dei língua para ele e sorrimos um pouco.
Peguei o danado do controle e liguei a televisão, só para saber que não estava passando nada de interessante nos cinco canais disponíveis.
— Aquela sombra esteve aqui no meu quarto — Eu joguei a informação no ar como se não fosse nada.
— O quê? O quê você fez Camille? Eu disse para não tentar se aproximar deles. Não disse?
— Ela que vive vindo atrás de mim.
— Ela?
— Sim! Eu vi que era uma moça. Uma mulher estranha! Ela disse que só se aproxima dos que estão próximos da morte.
— É sempre assim! Eles sempre tem uma desculpa para o que fazem. Você sabe o que é um vício Camille?
— Claro! Minha tia nunca conseguiu largar o cigarro dela.
— Matar é como um cigarro para esses seres, uns são tão maus que não diferenciam adultos de crianças e até tentam sugar a energia vital de recém nascidos. Outros, como esse que você viu, usam a desculpa de só se alimentarem das pessoas que estão para morrer.
— Então eu estou em perigo?
— Não se preocupe, eles não teriam interesse em você. Você é... — Depois de alguns segundos sem achar as palavras adequadas ele começou a sair do quarto — Você é diferente Camille!

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Antes de Acordar
Misteri / ThrillerO que você faria se acordasse em um lugar totalmente estranho, sem nenhuma pessoa conhecida, sem respostas do que aconteceu com você ou com sua família? A última memória de Camille Williams era a de estar a caminho de um passeio com sua família, ma...