Vou ser sincera, na minha idade eu nunca pensei como seria o meu último dia de vida. Mesmo se eu pudesse ir para outro lugar talvez eu não quisesse de fato. Sinto-me mais em casa aqui do que em qualquer outro lugar. Oficialmente nem completei dezoito anos, pensei que chegaria ao menos aos oitenta. Talvez seja para algum bem maior, sei lá, posso acabar com o sofrimento dos meus pais e libertá-los de certa forma.
O dia nublado e o vento frio não estragarão o meu dia, com dificuldade chego à janela e vejo o parque. Obviamente não há crianças lá fora com esse tempo louco.
— Eu disse para se manter longe da janela mocinha — Eu não me virei para ter certeza que o doutor Gabriel tinha entrado no quarto, eu saberia que era ele mesmo se ele entrasse em silêncio.
— Eu precisava olhar pela última vez. Nunca me perdoaria passar meus últimos momentos naquela cama.
— Eu sei! Eu teria te carregado à força se não fizesse isso por você mesma.
— Me diga a verdade. Quem é você?
— Quem sou eu? Está aqui esse tempo todo e não sabe?
— Eu sei que você não é o anjo Gabriel. Me disseram isso já! — Rimos.
— Sabe mesmo? Camille, não espere seres emplumados ou carregando espadas divinas. Os anjos da vida real são pessoas que tentam ajudar as pessoas. São os médicos, enfermeiros, bombeiros. Por algum motivo eu tenho a possibilidade de ajudar um pouquinho mais do que os outros.
— Vai mesmo me enganar com essa conversa fiada?
— Você gosta de truques?
— Não pode me tratar como uma criança. Tá bom! Sabe que amo truques.
— Olhe para o parque e me diga quando vir algo diferente.
Olhei atentamente para cada árvore, para o gramado aparado, folhas voando em redemoinhos, a lixeira abarrotada de papéis de pipoca e jornal. De repente o Sol deu sinais de aparecer, as nuvens aos poucos foram afastando-se e pude ver claramente a sombra de asas no parque.
— Como? Espera aí. O que você? — tentei virar para olhá-lo, mas ele segurou levemente a minha cabeça e guiou-me para continuar olhando para tudo isso. O dia passou de um nublado cinzento para o mais ensolarado que eu já vi. Juro que vi flores desabrocharem em instantes.
— Um mágico nunca revela os seus truques! Deveria saber disso — Finalmente virei e olhei para ele, pude ver lágrimas correrem as curvas de seu rosto sem serem contidas, terminando por molhar o seu jaleco. Quando olhei de volta o dia tinha voltado a ser nublado e frio — Eles chegaram.
Pela porta do meu quarto entraram a principio dois homens que nunca vi, seguindo-os estavam meus pais. Mais uma vez o meu irmão Albert não veio com eles. Alguns segundos depois o John chegou bastante ofegante, claramente subiu as escadas num fôlego só.
— Por favor, esperem só mais uma semana. Eu vou conseguir as provas contra o hospital — John suplicava, olhando diretamente para a minha mãe.
— E depois garoto? Depois passamos mais alguns anos obrigando outro hospital a mantê-la? Está na hora. Você acha que não quero segurar a minha filha nos braços? — A minha mãe danou a gritar e chorar ao mesmo tempo, uma coisa que só ela era capaz de fazer.
— Doutor Gabriel, diga a eles que estou certo. Por favor! — Eu sabia que o John nunca me viu de verdade, sempre foi quando ele estava dormindo, mas agora era a única pessoa que me mantinha viva.
— Diga a ele doutor! — Eu pedi.
Ele olhou-me, depois andou em direção ao John e colocou a mão em seu ombro — Ela sabe que você fez tudo o que podia.
Enquanto meus pais choravam abraçados, os dois homens dirigiram-se para a cama e começaram a mexer nos instrumentos. Um ar gelado e seco começou aos poucos a tomar conta do lugar, eu sabia bem o que era. Na porta estava uma bela moça, alta e tinha um lindo vestido branco, não sei que tecido era feito, mas irradiava luz.
Os aparelhos foram desligados.

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Antes de Acordar
Mystère / ThrillerO que você faria se acordasse em um lugar totalmente estranho, sem nenhuma pessoa conhecida, sem respostas do que aconteceu com você ou com sua família? A última memória de Camille Williams era a de estar a caminho de um passeio com sua família, ma...