Eu estava usando um vestido.
Eu estava usando um vestido em casa.
Eu estava usando um vestido em casa numa noite de segunda-feira.
Se alguém me visse, eu provavelmente diria que os shorts limpos acabaram e estava muito calor pra colocar uma calça. Só que a verdade vergonhosa era que eu queria me sentir bonita, então tirei alguns pelos da minha sobrancelha com a pinça, passei uma base no rosto e prendi meus cabelos num rabo de cavalo arrumadinho. Minha mãe me viu no corredor e achou um amor.
Eu sorri com o elogio, seguindo meu caminho para a sala... até que meu celular vibrou.
Mateus Arantes: oi Lis
Foi horrível. Meu coração pareceu apertar. Eu paralisei. Sem respirar mais que o suficiente, sem piscar mais que o necessário. O momento era sufocante e pesado.
E, de novo, a campainha tocou.
Kauê trazia uma caixa de pizza desta vez.
— Você não fez isso! — eu gritei, com raiva.
Ele coçou a cabeça.
— O que foi, Elisa? — minha mãe gritou de lá do quarto.
— Kauê trouxe pizza pra gente! — fingi felicidade no tom de voz, mas estava fuzilando meu amigo.
— Me traz um pedaço aqui!
— Pode deixar, tia Nanda! — o filho da puta do Kauê respondeu.
Eu deixei que ele entrasse e fechei a porta numa batida forte.
Foda-se, tô irritada.
— Kauê Santos Lima! — eu disse lenta e firmemente. — Você não pode cooperar com o Arantes.
— O quê? — ele fingiu não saber do que eu falava.
— Nem vem! — o interrompi. — Ele me manda uma mensagem e você aparece pra ver/apaziguar minha reação. Eu não nasci ontem.
Kauê deixou a pizza no balcão e me segurou pelos ombros.
— Só vai ganhar pizza depois que conversar com ele.
— Me obrigue! — rangi.
— Tá bom. — Kauê vasculhou o bolso, apanhando o celular e começando a discar um número.
Ah não.
— Ah não!
Roubei o celular da mão dele e cancelei a ligação antes que Mateus atendesse.
Aí, mesmo inconformada, peguei meu próprio celular e visualizei a mensagem.
Elisa: oi
Elisa: não faz mais isso
Mateus Arantes: eu precisava da sua atenção, e você adora pizza
Elisa: não interessa
Elisa: eventualmente eu te responderia
Mateus Arantes: e quantos dias isso ia levar?
— É melhor você parar por aí. — Kauê aconselhou, espiando minha conversa.
Respirei fundo. Ele tinha razão. Quando a gente brigava, a gente se aproximava. E eu queria distância e pedi pro Kauê me ajudar nessa missão.
Elisa: ever dade. Boa jogada. O que foi, tá tudo bem?
Mateus Arantes: acho que tá. E você?
Elisa: tô suave
Mateus Arantes: achei um filme seu aqui em casa. Talvez você queira de volta...
Elisa: cê podia me mandar pelo Kauê, ele tá quase morando aqui mesmo
Mateus Arantes: ele também tem me enchido o saco, relaxa
Elisa: vou te devolver sua blusa e sua Polaroid por ele, tá bom?
Mateus Arantes: pode ser... tem mais alguma coisa sua que esteja comigo?
— Há uns meses eu até diria "meu coração", mas o jogo virou. — comentei maldosamente pro Kauê, que riu.
— Dor de cotovelo de ex-namorada é foda.
— Vai se ferrar! — mesmo irritada, eu ri.
Elisa: meu caderninho de trechos de filmes!!!
Mateus Arantes: achei que vc tinha me dado ):
Elisa: sonha
Mateus Arantes: vou pensar no seu caso
Elisa: quero tudo na minha mão até semana que vem
Elisa: é nois
Elisa: flws
Mateus Arantes: quero negociar pelo caderninho
Elisa: isso não é um divórcio, se liga
Larguei o celular com um sorriso no rosto.
Droga.
Eu amava conversar/brigar com ele.
— Pronto. — fiz uma cara de tédio pro Kauê e recuperei a sanidade. — Quero pizza.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Um Conto Não Depressivo Sobre Depressão
Short StoryElisa Bonifácio é uma universitária como qualquer outra que você pode acabar encontrando na rua: não é a melhor da classe, mas tem sonhos e aspirações. Algo sobre seu sorriso contido e frases inteligentes pode acabar te atraindo, porém dificilmente...