☼ ☽ Número Cinco ☽☼

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— Quanto você acha que vai demorar até a gente acabar se beijando de novo? — eu perguntei, apesar de distraída com os M&M's do meu Mcflurry.

— Vai depender. — ouvi Lucas George responder. — Estamos no quarto rolê e nossos colegas estão sempre enchendo o saco sobre os meus comentários nas fotos que você posta no Instagram.

— É que você parece, tipo, apaixonado. — eu fiz careta ao lembrar do "Você é a mulher mais bonita que já pisou neste Planeta" que ele comentou numa foto onde só aparecia uma parte do meu rosto. Intenso.

Lucas riu sonoramente.

— Sim, eu pareço, não é mesmo? — zombou descaradamente. Era óbvio que não éramos tão platônicos assim. Eu me sentia bem com toda a intimidade não forçada e apenas aparentemente exagerada que a gente tinha, sempre tornava as conversas mais leves, que eram como flutuar ao redor um do outro em vez de mergulhar diretamente nas partes mais profundas e problemáticas.

Após conhecer Lucas George e chegar em casa com a graça de Deus (todos sabemos a bêbada inútil que eu estava naquele dia), achei que tinha apenas sido um momento legal e furtivo, mas então ele me mandou a seguinte mensagem no WhatsApp:

"Você esqueceu uma coisa, Elisa Bonifácio."

Eu sorri com intriga e decidi responder:

"O que seria?"

"Prometer que um dia vai se casar comigo. Somos um desses casais de comédia romântica (ou vamos ser). O que mais poderia ser?"

"Você é insano."

"Prazer em te conhecer também."

Sorri e abracei o celular como se daquela vez minha manhã fosse ser um pouquinho menos pior que as outras. E meio que foi.

Depois disso foi tudo mais fácil, é claro. A gente se falava quase sempre e ele realmente me fez comer hambúrguer ruim enquanto jurava que aquilo era gastronomia sofisticada. Tcharã, o nascer de uma amizade. Exceto que ele era realmente bonito e encantador demais pras coisas continuarem assim...

Pisquei, acordando de um devaneio.

— O que me lembra... — comecei e já revirei os olhos, apontando para um dos prédios que se via no horizonte. — O Kauê tá me enchendo o saco. Ele quer te conhecer porque aparentemente sou gótica demais pra fazer novos amigos sem depender de alguém me apresentando a eles.

— Você é exatamente isso. — apesar da careta, Lucas concordou. Eu assenti, pensativa.

— A parte engraçada é que você vai voltar pro trabalho em dez minutos e eu, por outro lado, vou pra casa. A vida é justa.

— Você ainda nem é advogada e já está distorcendo a justiça. Shame on you.

— Você adora que eu seja badass. Aceita, trabalhador da classe média baixa.

— Eu paguei pelo seu lanche e seu sorvete. Foi com o meu Vale Refeição, mas mesmo assim eu paguei, sabia? — Lucas me lembrou, indignado. — Tenho que parar de ser trouxa pelas minhas futuras esposas.

— E quem disse que eu quero casar?

— Eu sou pra casar. Isso é indiscutível. — sorriu, brando.

O encarei por completo, já que estávamos encostados no muro do edifício em que ele trabalhava. Todo aquele visual de sexta-feira, pré happy hour, com jeans e camisa social... É, não fazia bem à minha sanidade. E nem o cabelo bagunçado e os óculos sem utilidade que ele insiste em usar quando está trabalhando ("me deixa com cara de inteligente", ele justifica sempre).

Decidi dizer:

— A gente volta nessa questão quando eu preparar mais argumentos.

— Você não aguenta perder mesmo. — Lucas riu, incrédulo.

— Sabe o que mais eu não aguento? — perguntei. — Essa quantidade absurda de sorvete de creme que fica quando acaba os M&M's e a calda de chocolate do sorvete. Isso é um crime!

Lucas apenas arqueou uma sobrancelha e, jogando sua casquinha no lixo, apanhou meu sorvete.

— Eu sei. Por que acha que eu sempre deixo você comprar Mcflurry? Eu adoro sorvete de creme puro, você detesta. A vantagem é toda minha.

Semicerrei os olhos.

— Eu ainda vou achar seus pontos fracos, Lucas George.

— Vai ser divertido ver você tentar. — sorriu, e eu não me contive ao retribuir.

...

Chegar em casa me dava alívio. O silêncio, o cheirinho que denotava a limpeza da minha mãe, a Netflix me esperando pacientemente... Maravilhoso. Meus sapatos acabaram ficando perto da entrada, a bolsa no sofá e o celular na cama. Logo, eu também estava sem roupas. Às vezes eu tinha aquela agonia indescritível de tomar um banho, mesmo que o banho em si durasse quatro minutos por conta da minha consciência ambiental.

Foi uma semana cansativa.

A segunda semana com Lucas George na minha vida, na verdade. As férias que planejei para consagrar como as mais paradas de todas já tinham batido recorde de rolês. Era bom, eu não podia negar, mas fazia estar em casa parecer sem sentido.

Ainda mais numa casa vazia.

Saí do banho, o olhar desviando para a porta do quarto dos meus pais. Digo, da minha mãe.

Pressionei os lábios um no outro, impedindo uma onda de dor de tomar conta de mim. Era mais um assunto que eu tentava desviar do meu dia à todo custo, mas qualquer tarefa simples de casa era uma tortura. Eu o via na sala assistindo futebol, ou na copa lendo algum livro; na cozinha, enchendo a paciência da minha mãe; no meu quarto, interrompendo meus momentos com o Mateus, já que os dois não eram fãs um do outro.

E de repente doía mais ainda.

Meu pai também era muito próximo dos meus amigos antes de eu me afastar de todos eles, pouco mais de um ano atrás. Toda festa em casa era uma desculpa pra ele conversar e bagunçar com eles.

Então, previsivelmente, agora tudo doía.

Como era possível ter tanto e no próximo minuto não ter mais nada?

Meu corpo, coberto apenas com a toalha e com milhares de pensamentos, escorregou até encontrar o chão. Eu sabia que estava encarando a janela do meu quarto, mas era a última coisa que conseguia enxergar.

Um Conto Não Depressivo Sobre DepressãoOnde histórias criam vida. Descubra agora