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Dior se olhou no espelho.

Não tinha dormido nada, sentira tanto calor e sua mente viajara tanto que quase teve dificuldade em distinguir a verdadeira realidade. Sonhara ou pensara na sua mãe que brincava com ela, cantava canções e dizia que era a menina mais bonita do mundo. Lembrava dos jogos com o pai, a paciência que tinha para lhe transmitir as coisas e em como sua família costumava ser segura e perfeita, para depois se desfazer como simples pó.

A mãe definhou de tanto desgosto como se não existisse mais nada por que viver no mundo. O pai morreu e nem tiveram como se despedir dele, foi tudo tão de repente que às vezes se perguntava como teria acontecido? O dinheiro deixado foi investido nos estudos, Paul se revoltara com a vida e tudo tinha dado um giro de trezentos e sessenta graus. Venderam a casa maior, tiveram que pagar advogados para o irmão e garantir o seu mestrado, para no final acabar assim. Trabalhava num lugar que não merecia e sempre tinha procurado por uma paixão mais intensa em relação a todas que tivera, seria ridículo ter caído nas mãos de um homem como aquele.

Sacudiu a cabeça como se pudesse afastar os pensamentos para longe, observou o terno que tinha usado para a primeira vez que fora entrevistada na Saltzman Corporate e respirou fundo. Verificou a comida de Pitty e a água, trancou as portas e saiu de casa a sentir o dia ensolarado, mas ventoso.

─ Dior! ─ Pops desta vez não saltitava no lugar, pelo contrário. Estava séria demais, com um conjunto formal. Talvez ia dar as aulas.

─ Bom dia. ─ Cumprimentou apressando os passos, não queria se atrasar.

─ Está tudo bem? ─ A vizinha enfatizou aquela questão, criando um incómodo na outra que virou o pescoço.

─ Claro... Por quê?

─ É que na noite antepassada escutei um barulho... Vinha de um carro de luxo que estava muito agitado. ─ Pops estava de olhos abertos, assim como Dior que os aumentou de tamanho.

─ Não sei. ─ Mentiu descaradamente e apertou os passos, mas a vizinha a seguiu até ao passeio em frente a casa delas. Pops tinha uma bicicleta, mostrava que não parava de exercitar em minuto algum.

─ Não que eu seja fofoqueira, mas nestes bairros temos que andar muito atentos a qualquer coisa. Depois eu vi quando saíste do carro, com o...

─ Meu Deus, Pops! ─ Dior estava mais envergonhada que tudo, por isso não a deixou terminar e acelerou os passos pela rua abaixo. Ofegava sem parar e se censurava por dentro. Tinha sido uma loucura completa, mas naquele momento tinha esquecido de tudo e só existiram eles dois.

Apanhou o comboio na estação e que a levaria directo para o centro da cidade, aproveitou para verificar o currículo que tinha em mãos, sempre era bom levar um mesmo que não pedissem. Era perita naqueles assuntos de entrevista, já tinha ido a tantas e não compreendia a razão de quase nunca a chamarem. Levou uma hora certa para chegar ao outro lado da cidade, mesmo assim, pela manhã era o melhor meio de transporte a se usar por causa do tráfego. Ainda teve tempo de tomar um café numa cafetaria de luxo que ficava na mesma rua que a Saltzman Corporate, apenas para não chegar tão antes e parecer uma desesperada.

Tinha tido tempo de arrumar as unhas e até de fazer uma maquilhagem leve, mas deixara o cabelo volumoso de propósito para ver até onde iriam desta vez. Estava pronta para descer do salto, mas a mulher ao telefone lhe pareceu sincera e pronta para ter uma nova oportunidade. Paul podia dar todos conselhos para que a irmã desistisse de trabalhar naquele lugar, mas Dior sabia que sua necessidade ia além do que o normal. Queria conhecer o último lugar onde a mãe estivera tão feliz antes de se acabar na depressão.

Faltavam apenas dez minutos quando atravessou a estrada e levantou o queixo para frente em pleno tom de desafio ao avistar as grandes portas do edifício Bioquímico. Os seguranças se encararam quando a viram se aproximar, mas a deixaram passar e tentou disfarçar o nervosismo quando atravessou o hall em direcção a recepção, mas foi interrompida por uma mulher loira de beleza simples e que usava um terno azul riscado.

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