Vinte e Um

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Na recepção, Caio tentava explicar quem estava procurando mas seu nervosismo não deixava a enfermeira entender. Ricardo observando a situação, afastou o garoto e conversou com a enfermeira. Com os olhos marejados, Caio pegou o celular e discou um número de sua agenda.

Seguindo instruções, eles se sentaram nas cadeiras da sala de espera. Além deles e da senhora que tricotava ao fundo, não havia ninguém por ali. Ricardo passou seu braço em torno dos ombros do garoto para consola-lo e deixou que ele chorasse baixo em seu peito.

Pouco tempo depois, um jovem loiro chegou nervoso na recepção procurando por um garoto e sua tia, Caio que estava "cochilando" logo acordou se levantando e correu em direção a Miguel:

– Caio! O que aconteceu? – Miguel perguntou preocupado.
– É minha tia. Ela... – disse em meio ao choro. – Não sei se vou aguentar caso ela partir.
– Calma, eu to qui agora. Nada de ruim vai acontecer com você. – disse beijando o topo da cabeça do garoto. – Você por aqui?
– Por que está surpreso em me ver Miguel?
– E-eu, não... Não estou surpreso em te ver. Imaginei que estaria aqui.
– Sei... Estou aqui pelo Caio e esse é um momento muio difícil para ele. Vamos deixar nossas diferenças para outra hora.
– Acho bom mesmo. – Caio disse interrompendo os dois. – Vocês são as únicas pessoas que eu tenho agora, preciso de vocês e não quero que briguem.

Eles se entreolharam enquanto Caio seguia o corredor em direção ao banheiro. Cheios de ciúmes, eles se sentaram próximos e ficaram em um impasse:

– Duvido que suas intenções sejam boas. – Miguel quebrou o silêncio.
– E as suas são? O que um inglês falido, quer com um garoto com ele, você sabe que ele não tem nada para oferecer e não tente negar, conheço o histórico da sua família.
– Meu pai era assim, mas eu não! Eu gosto do garoto, ele me atrai.
– Eu também gosto dele e não vou desistir sem lutar.
– Que vença o melhor.
– Isso mesmo!

Caio voltou com um semblante triste, ele tentava conter as lágrimas, mas elas caiam automaticamente. Sua vida estava um caos e parecia que não ia melhorar. Quando viu um médico vindo para a recepção, ele logo se apressou para perguntar sobre Camila:

– Minha tia doutor, como ela está?
– Estamos fazendo o possível por ela, mas a cirurgia é muito complicada. – Caio voltou a chorar baixo.
– Tenha fé. Ela vai conseguir. – Miguel disse segurando a mão do garoto.
– Estamos aqui para o que precisar. – Ricardo completou.

Caio estava com a mente sobrecarregada, ele era apenas um garoto e já passara por tanta coisa... Agora ele ainda teria que enfrentar as consequências do câncer de sua tia. Em toda sua vida parecia que nada dava certo, mesmo lutando com tudo e contra todos as coisas sempre desmandavam e acabavam mal.
Se Camila morresse ele não teria para onde ir, não teria onde morar, não teria como se sustentar. Seus planos ainda estavam voltados para os estudos e agora essa pedra entrou no seu caminho atrapalhando tudo.

Sentando em uma das cadeiras azuis da recepção, com as mãos cruzadas para apoiar queixo contemplando o vasto chão cinzento, ele começou a imaginar sua vida sem a tia.

Com uma visão meu turva, ele se via trabalhando em algum fast food, seu rosto cansado revelava a dura rotina de trabalho. Logo depois ele se viu estudando, esforçando-se ao máximo mas mesmo assim não sendo suficiente, suas notas baixas e o extremo cansaço fez com abandonasse a escola, depois a faculdade e por fim a vida.

Poderia ser exagero mas era uma realidade bem provável pois ele estava sozinho e teria que se "si virar" caso o pior aconteça.

Algum tempo depois a enfermeira o despertou de seu cochilo, sua expressão não era lá das melhores:

– E então, ela está bem, não está? – Miguel perguntou de imediato.
– Desculpe mas... – nesse momento Caio aguentou firme e só escutou tudo o que a mulher dizia sem esboçar expressão alguma. – A cirurgia teve uma complicação, a área do cérebro afetada era muito sensível, as chances eram minimas. Ela teve uma morte cerebral, nesse momento ela está ligada aos aparelhos, você pode vê-la antes que o governo de a ordem para a desligar.

Olhando para o garoto que parecia calmo, Ricardo começou a se preocupar:

– Acho melhor irmos tomar um ar primeiro, ele também tem que comer alguma coisa.
– Não. – disse calmo. – Estou bem, eu só quero ver minha tia. Por favor, me leve ao quarto dela.
– Me acompanhe por favor.
– Nós vamos c...
– Eu quero ficar sozinho.

Andando pelos corredores frios e sem vida daquele hospital, o garoto deixou que uma lágrima caísse naquele chão cinza. O mundo a sua volta estava desmoronando mas ele estava firme no andar e isso era a única coisa que seu cérebro conseguia processar: o andar automático até o leito onde sua tia estava sem vida.

Na recepção Ricardo andava de um lado para o outro, preocupado com as emoções de Caio, ele sabia que aquilo era coisa de mais para a mente ainda jovem do garoto:

– Calma Ricardo, se estressar também não vai adiantar em nada. Nós precisamos estar estáveis para que Caio se sinta seguro.
– Eu preciso fazer alguma coisa...
– Ei? Tá me escutando? – Miguel perguntou sem entender.
– Preciso ir. Mas não pense que estou desistindo.
– Mas o que?

Ricardo pegou seu casaco e saiu do hospital. Seu destino era sua casa e o objetivo era conversar com seu pai sobre as dívidas de Camila. Ele daria um jeito para ajudar Caio agora, e isso era necessário a ajuda de seu pai.

No hospital, Caio entrou no quarto e avistou sua tia respirando por aparelhos. O som que eles faziam era de certa forma,reconfortante pois ele sabia que agora Camila estava descansando:

– Tia... – disse segurando sua mão. – Eu não sei o que fazer agora. E-eu não sei que rumo seguir, estou perdido... – disse chorando.

Ele se sentou na cadeira e apoiou sua cabeça no leito e ali chorou baixo até que por fim, adormeceu.

CaioOnde histórias criam vida. Descubra agora