Cicatriz do passado

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A chuva caia por sobre o carro em movimento, as gotículas que colidiam sobre o vido prontamente se moviam, devido a inercia, e eram levadas contra a direção do veículo, era um espetáculo natural, como se a máquina motorizada forçasse a sua passagem por sobre o véu de águas. O céu cinzento dominava o horizonte e era condizente com o clima existente dentro do próprio carro. Afonso resmungava enquanto dirigia, sua raiva era erroneamente direcionada a tempestade que os atingia, não era a tormenta a real causa de suas aflições.

– Devia reduzir a velocidade. – Opinou a sua esposa, ela não o mirava diretamente, ao invés disso, fazia questão de parecer absorva em seu celular. Sabia que era uma forma de escape dela, fingir que não ligava para situação enquanto, internamente, estava em pânico e se remoendo de culpa. A conhecia muito bem...Afinal, estão juntos desde a escola, não como amantes, pois o namoro só floresceu durante a faculdade. Aquele rosto moreno sem expressão não o enganava...Ou pelo menos assim pensara.

Mesmo a conhecendo tanto não fora capaz de prever os eventos que acabaram por ocorrer. Talvez fosse sua culpa por não enxergar o obvio. Pessoas mudam ao longo dos anos e ainda mais, existem facetas dos indivíduos que mesmo após anos de convívio ainda são misteriosas.

Se ele a amara? A verdade é que não sabia... Houve paixão entre eles, sem dúvida. Atração que ambos sentiram não fora uma ilusão, mas algo mais profundo...Como vira em tantos filmes, livros ou novelas? Aquele tipo de companheirismo e empatia que parecia existir entre os casais perfeitos. Não, isso ele sabia que não tinham. O casamento fora fruto de uma conveniência que ambos acataram, ele precisava de uma esposa para indicar estabilidade em seu emprego e esse fato o ajudou avançar em sua carreira, ela precisava de um marido que provesse monetariamente seus anseios. Enfim, parecia ser um bom negócio para ambos, não é mesmo? O único requisito necessário era a fidelidade.

–Acho que devemos nos separar... –Fala por fim o Afonso, indo direto ao ponto, afinal não tinha por que enrolar naquele assunto –Eu e você... "Isso" tudo não está dando certo!

–Sim, você nem o menos se esforçar para dar certo...

–Como assim? – Questionou irritado.

–Onde você está todos esses meses? Trabalhando! Você nem veio ao aniversário do Luciano e ele te esperou! Nenhuma ligação você teve a coragem de fazer!

– Eu estava cheio de relatórios para fazer! Acha que minha vida ou trabalho é fácil? Acha que essa roupa da marca que usas e que faz questão de exibir sempre a todas festas e até mesmo nas reuniões de amigos vem de onde? Seus sapatos? Suas idas constantes ao cabelereiro? SPA? Ao esteticista? Do meu bolso! Preciso trabalhar que nem um condenado para garantir esse seu status que tanto gostas! E não tente usar nosso filho como desculpa... Sei que a babá tem mais participação na vida dele do que você...

–Como ousa... Seu...- Agora a sua face finalmente exibiu uma expressão, havia raiva, dor e humilhação. Ela era uma mulher orgulhosa, mesmo recebendo aquelas verdades como bofetadas no rosto, engole o choro e olha para o lado irritada – Eu te odeio Afonso!

–Iracema... –Iria pensar em alguma desculpa, tinha sido duro com ela e ainda mais hipócrita, apesar de tudo ela era a sua mulher e mãe de seu único filho, não queria uma inimiga na própria casa. Se no passado havia alguma afinidade compartilhadas entre eles... Não deveria ter sido perdida como um todo ao logo daqueles anos! Talvez o casamento estivesse fadado ao fim, mas poderiam ainda ser amigos. –Eu estou cansado e você também... Por que não falemos disse depois?

VizinhosWhere stories live. Discover now