Entretanto, no carro, a caminho de casa, o Dinis não me dirigia a palavra. Mas a forma como conduzia e a sua expressão denunciavam a sua raiva. Já eu optara por remeter-me ao silêncio e aquela condução arriscada também estava a deixar-me indisposta.
Mal chegámos a casa, parou o carro sem sequer pô-lo na garagem e disse:
- Sai do carro e entra em casa!
A indisposição piorava a cada passo que dava em direcção a casa e as lágrimas começaram a cair sem que pudesse pará-las. Assim que entrei em casa, dei de caras com a D. Rosa mas nem tive tempo de falar pois o ouvi os passos do Dinis.
- Faça-me um favor e tanto você como as outras vão apanhar ar lá fora, quero conversar sozinho com a minha mulher sem ter gente a ouvir e a comentar!
Ela nada disse, apenas saiu apressadamente diante do tom de voz alterado dele.
- Dinis…
- Nunca pensei que fosses capaz de uma coisa destas, Flora. – Disse num tom que acarretava um tal desprezo que me doeu de uma forma que não conseguia explicar por palavras.
- Tentei contar mas… - Falei nervosamente. – Imaginei que fosses reagir mal. Naquele dia em que disse que fui só prestar depoimentos, na verdade…
- Foste arranjar um advogado para aquele marginal?! Como é que conseguiste esconder-me isso?! Pior, como é que pudeste?!
- Desculpa mas… não podia deixar que ele ficasse na cadeia se não era tão culpado como os outros.
- Ele raptou-te! Qual é a parte complicada nessa frase?! Tu podias ter morrido!
- Mas não morri! – Respondi num tom mais alto do que esperava. – Ele podia ter-me feito coisas terríveis enquanto lá estive mas não o fez! Se outro dos que me levaram tivesse ficado comigo em vez dele, eu não sei se…
- Isso não anula o facto de que ele te levou e que estiveste lá por culpa dele!
Apoiei-me um pouco no sofá, sentindo uma tontura um pouco mais forte.
- Podia ter sido pior. – Afirmei com convicção.
Ele deu alguns passos na minha direcção e nesse instante, ouvi a porta de casa e uns passos apressados. Vi a Isabel e surpreendi-me por vê-la.
- Isabel?
- Tu nem penses em pôr-lhe as mãos em cima! – Disse ainda recuperando o fôlego.
- Deixa-me adivinhar, a tua amiguinha sabia!
- E não me passei como tu! Será que essa tua mente limitada não consegue perceber que a “estadia” dela podia ter tido outro desfecho ou outros momentos mais desagradáveis se não estivesse na companhia do Carlos?! O que achas que os outros animais que a levaram teriam feito se tivessem ficado com ela?!
- Nem tu, nem ninguém vai convencer-me de que agir nas minhas costas foi o melhor a fazer!
- Não foi mas não pensei que fosses cobarde o suficiente para pensares em bateres-lhe!
- Nunca levantei um dedo contra uma mulher e não ia começar agora mas há coisas que não consigo entender! Há coisas que…
- Ela está grávida. – Afirmou.
- Isabel!
- O quê? – Perguntou, sentindo a sua mente baralhar-se e mantendo-se em silêncio por alguns momentos, procurando o que devia dizer ou como devia reagir.
- Desculpa lá, Flora mas se ele não é capaz de perceber que te estás a sentir mal e que ele vai acabar por te fazer mal de alguma forma, alguém precisava abrir-lhe os olhos. Acho que foi por isto que o Carlos pediu que viesse cá.
- Tu falaste com ele? – Perguntei.
- Não, mas foi o que o Sr. Caetano…
- Ah claro, o marginal já sabia! – Olhou para mim. – Como posso ter a certeza de que sou mesmo o pai? Talvez essa preocupação toda com ele tenha mesmo uma razão mais simples!
Nesse instante, um choque percorreu todo o meu ser. Podia aguentar muita coisa. Estava mentalizada para a sua raiva mas nunca para que desconfiasse de mim daquela forma. A dor da desconfiança assumia contornos de mágoa e ressentimento.
- D. Rosa! – Chamei, olhando para o Dinis com uma expressão rancorosa.
Ela não demorou em aparecer pois penso que até então, nunca a tinha chamado com aquele tom de voz e nem tão alto.
- Ponha a minha roupa em pelo menos duas malas.
- Agora?
- Sim.
Ele não disse nada por alguns momentos pois parecia surpreendido com a minha reacção. Estava farta que pisasse em mim. Não aguentava mais tanta raiva injusta na minha direcção. Pior do que isso, a gota de água foi mesmo aquela insinuação.
- Tu não serias capaz. – Disse num tom ameaçador.
- Não admito que me ofendas dessa forma. – Respondi, lutando por manter a calma e não elevar a minha voz novamente. – Não vou ficar aqui para ter que ver na tua expressão que tu julgas que sou uma qualquer…
- Eu não di…
- Ok, tu está calado! – Falou a Isabel, aproximando-se de mim. – Para onde vais?
- Qualquer lugar que não seja este. – Respondi, saindo de casa e ao encontrar o Sr. Caetano, pedi que preparasse o carro novamente porque ia sair.
Esperei pacientemente pelas minhas duas malas e depois de colocadas no carro, entrei neste e pedi que me levasse dali. A Isabel acompanhou-me e após longos minutos de silêncio, perguntou:
- Vais para onde, Flora? Na tua condição, não podes ficar em qualquer lado.
- Vou ficar num hotel.
- Que hotel? Flora, porque não vens para a minha casa?
- Não, eu não quero inc…
- Nem te atrevas a terminar essa frase. – Disse a Isabel num tom ligeiramente zangado. – Em minha casa ficas melhor do que em qualquer hotel. Precisas de estar com alguém e não sozinha, ok?
- Mas e os teus pais? O que vão dizer?
- Os meus pais adoram-te! Não vão dizer nada, vão ficar contentes. – Sorriu e acenei ao Sr. Caetano que mudou o caminho que estava a seguir.
Quando cheguei à casa da Isabel, os seus pais não estavam em casa e apesar de querer ajudá-la, ela insistiu em levar as minhas malas. Porém, antes disso, pedi ao Sr. Caetano que não dissesse ao Dinis onde estava. Queria evitar conversar com ele pelo menos enquanto me sentisse daquela forma tão ressentida.
Depressa me apercebi com a chegada dos pais da Isabel que eles não se importavam com a minha estadia e sem perguntas, disseram que podia ficar o tempo que precisasse. Agradeci a sua simpatia e hospitalidade ao que ambos me responderam com um sorriso amável.
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Sentimentos
Teen FictionFlora, uma jovem criada de um modo muito tradicional e rigoroso vê-se confrontada aos 18 anos com um casamento por conveniência. Ela que sempre foi alguém apaixonada por histórias de romance, vê-se envolvida num casamento sem nenhuma das característ...