Quando entrei em casa, ele estava na sala a ver televisão com algumas folhas na mão e a murmurar algo para si próprio. Parecia-me chateado com alguma coisa.
- Já estou de volta. – Disse-lhe com alguma hesitação.
- Sim, já reparei. – Disse num tom algo ríspido e que me fez perceber de imediato que dispensava a minha presença. Abaixei ligeiramente o rosto e subi as escadas até ao nosso quarto para pousar a minha mala. Assim que entrei, vi a Dona Rosa.
- Já de volta, senhorita?
- Sim. – Murmurei, pousando a mala sobre a cómoda.
- Estou a ver que já se cruzou com o mau humor do seu marido.
- Ele está assim desde que acordou? – Atrevi-me a perguntar.
- Na verdade, creio que fui eu que o aborreci. – Disse, acabando de colocar as almofadas sobre a cama. – Ele acordou há pouco tempo e como tinha um ar tão cansado, preparei-lhe uma gemada e penso que não gostou da ideia.
- Mas se a senhora lhe preparou comida com boas intenções porque ficou assim?
- Imaginei o motivo do cansaço dele. São jovens é certo mas qualquer vitalidade acaba se houver abuso.
- Não estou a perceber. – Disse com um ar confuso.
A Dona Rosa sorriu.
- Estou a falar do que acontece com um casal quando se deitam ao lado um do outro.
- Bom… - Virei o rosto. – Não que saiba exactamente muito sobre isso mas…
- Se bem me lembro não estiveram em lua-de-mel?
- Ele esteve a trabalhar o tempo todo e por isso, até chegámos mais cedo que o previsto. Acho que… não sou do seu agrado.
- Mas então vocês ainda não estiveram juntos como um verdadeiro casal?
- Não.
- Sei que se casaram por motivos especiais e não por sentimentos mas nunca pensei que ele fosse se comportar desta forma.
- Só prova que não lhe agrado.
- É cedo para dizer uma coisa dessas. Talvez, precisem de tempo, de conhecer-se melhor. Não fique assim, menina Flora. Tenho a certeza de que acabarão por se entender.
Queria que fosse verdade. Não queria continuar o resto da minha vida numa vida de casada em que me sentia sozinha.
A hora do almoço não demorou e sentar-me à sua frente, recebendo ainda mais silêncio não estava ajudar a ter pensamentos positivos acerca da nossa relação.
- Posso perguntar-te o que estudas?
- Gestão e administração. – Respondeu.
Ainda tive a esperança que me perguntasse o que ia eu estudar mas isso não aconteceu. Continuou a comer em silêncio, alheio a mim, alheio a qualquer coisa que estivesse naquela sala. Muitas vezes, dava-me a sensação de que o seu pensamento estava bem longe dali. Dava-me conta também que não gostava que interrompesse esses seus momentos por isso remeti-me ao silêncio.
Acabou de comer e sem dizer nada saiu da mesa e poucos minutos depois, vi-o sair de carro acompanhado pelo senhor Caetano. Assim que o fiz, peguei no telefone da sala e liguei para o meu pai. Precisava de uma voz familiar, de uma voz reconfortante.
- Filha, não pensei que ligasses nestes primeiros dias.
- Senti a sua falta, meu pai. – Disse, sentando-me no sofá.
- Hoje ou amanhã deve chegar aí o resto das tuas coisas e até a harpa.
- Isso são óptimas notícias, meu pai! Vou continuar os meus estudos no conservatório de música nacional e estava a pensar que teria que comprar uma visto que é uma recordação preciosa e podia não querer desfazer-se dela.
- Não estou a desfazer-me da recordação. Estou a passá-la para ti. A tua mãe havia de querer algo assim. – Seguiu-se um curto silêncio. – O teu marido está de acordo com isso? Dos estudos? Não me parece mal mas pensei que fosses ter mais afazeres aí em casa.
- Ele disse que não se importava além disso, ele próprio anda muito ocupado a terminar os seus estudos.
- Mas nunca negligencies a vida familiar.
- Não se preocupe, meu pai.
Queria manter aquela conversa mas também temia que a minha tristeza lhe fosse perceptível por isso, despedi-me e disse que lhe ligaria de vez em quando para conversarmos e que gostaria de receber alguma visita. Não queria deixá-lo sozinho ao que me respondeu que daqui para adiante, o meu marido deveria ser a pessoa a receber a maior parte da atenção mas que ficava contente por não me querer esquecer dele. Foi assim que terminou a chamada.
Tinha consciência da verdade naquelas palavras mas sabia também que até então, a minha tentativa de dar atenção ao meu marido não havia resultado muito bem.
- Está um dia tão ensolarado, senhorita Flora. Devia aproveitar. – Sugeriu a Dona Rosa e aceitei a sua sugestão, não antes de ir buscar um dos meus pequenos romances que ainda tinha comigo para ler enquanto estivesse no exterior.
Passei o resto da tarde no jardim que realmente era lindíssimo e fazia com que todas as minhas preocupações e mesmo o sentimento de solidão se tornassem insignificantes. Conseguira acabar de ler mais um romance nesse tempo. Mais um livro que deixava no ar um gosto de algo que nunca tinha experienciado. Perguntava-me se alguma vez sentiria borboletas na barriga.
Jantei sozinha e quando me deitei, ele ainda não tinha chegado mas embora ainda tenha demorado, notei quando entrou no quarto. Pousou mais alguns livros na secretária, tomou banho, trocou de roupa e sentou-se na cama. O candeeiro manteve-se aceso até que adormeci. Mais uma vez, ele ficara a ler algum livro.
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Sentimentos
Novela JuvenilFlora, uma jovem criada de um modo muito tradicional e rigoroso vê-se confrontada aos 18 anos com um casamento por conveniência. Ela que sempre foi alguém apaixonada por histórias de romance, vê-se envolvida num casamento sem nenhuma das característ...