Sem perdão

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- Bom dia, menina Flora.

- Bom dia…

- O Sr. Brandão saiu bem cedo.

- Imagino que não se quisesse cruzar comigo.

- Não fique assim. Não há nada que não possa arranjar.

Também queria acreditar nisso mas infelizmente desde do nosso casamento, não havia nada em mim que aparentemente o atraísse. Sentia-me uma obrigação na sua vida, um peso que lhe caíra em cima. Tivera algumas esperanças quando ao conversarmos ele disse que não queria uma relação baseada no silêncio mas tudo acabava por esvanecer. Se pensasse bem, os dias silenciosos, os dias tristes eram em maior quantidade do que os outros em que me sentia um pouco mais confiante. Dar-me conta disso também me deprimia.

- Até dormiu na sala? Bolas, ele nem sequer ouviu o que tinhas para dizer. É assim um bocado impulsivo. – Comentou Isabel com a mão sobre o meu ombro.

- Se eu visse a minha mulher a dançar com outro gajo também não ficaria contente. – Disse o Nuno distraidamente, recebendo uma chapada na testa.

- Estás do contra porquê? Posso saber?

- Foi só uma opinião masculina sobre o assunto! Como sempre só as opiniões de certas pessoas podem ser aceites.

- Nuno estás a querer perder alguma coisa importante para a tua integridade física e continuidade da tua geração?

- Já me calei. – Disse, olhando para o outro lado.

Suspirei.

- Sei que não agi bem e não me resta fazer nada a não ser pedir-lhe desculpa todas as vezes que sinta que é necessário ou simplesmente esperar que me perdoe.

- Há-de perceber que tudo não passou de mal-entendido. – Disse Isabel.

- Evita falar com o Gallardo é o melhor. – Comentou Nuno, levantando-se da mesa ao olhar para o relógio.

Como nesse dia tive algum tempo livre, aproveitei para ensaiar um pouco mais uma música nova que estava a aprender a tocar na harpa. Por vezes, trocava um pouco os tons suaves por algo um pouco mais grave e queria corrigir esse erro.

A sala estava vazia por isso teoricamente contribuiria para a minha concentração mas não foi isso que aconteceu. As palavras da noite passada ainda estavam demasiado presentes na minha mente e isso reflectia-se no modo como tratava aquele instrumento que esperava toques firmes mas suaves e certeiros.

- Não consigo concentrar-me… - Murmurei desanimada.

- O instrumento reflecte o estado de espírito de quem o toca.

Era o professor Gallardo que estava parado a meio da sala com algumas folhas na mão.

- Lamento. Pensei que a sala estivesse vazia.

- Não tem importância. Podes continuar se quiseres. Estou só de passagem.

- Bem se é assim… - Coloquei novamente os meus dedos sobre as cordas.

- Aconteceu algo de grave? A sua expressão está demasiado abatida.

- Problemas pessoais. Não quero falar sobre isso. – Disse, reposicionando as minhas mãos.

- Não me diga que o seu marido ficou de alguma forma ofendido por ter decidido aproveitar um pouco do convívio?

- Por favor, não…

- Não fizemos nada de errado, senhorita. Apenas conversámos e dançámos um pouco. Que mal há? Espero que não tenha sido muito rude nas palavras e que compreenda que não se faz esperar uma dama daquela forma.

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