Ela levantou-se e foi para o trabalho mais uma vez.
Mais uma vez, lá estava ela, seguindo o roteiro, seguindo sua rotina, exercendo sua tão valiosa missão na terra. O cabelo longo, de um vermelho forte, balançava solto enquanto ela caminhava, usava um vestido preto básico, ela chegou na repartição pública em que trabalha na primeira hora da manhã. Era um escritório imenso, cheio de divisórias e cubículos. Bateu seu ponto e pegou em sua mesa a lista, longa, longa lista de nomes de pessoas que deveriam receber sua pequena consultoria naquele dia.
E ela partiu dali, feito passe de mágica, agora estava na estação santo amaro, uma grande estação de trem na cidade de São Paulo. Estava em pleno horário de pico, era cedo, mas havia dezenas de pessoas aguardando o trem na plataforma, lá estava ela, toda vestida de preto, caminhava lentamente e a brisa que soprava fazia seu vestido balançar de forma sublime, marcando seu belo corpo. Era uma pena que ela, quase, nunca fosse percebida pelos outros, pelos seus clientes.
Mas ela tinha pressa, pois tinha de terminar logo aquilo, seu primeiro trabalho do dia.
Não demorou muito e logo encontrou seu cliente, um homem chamado João, devia ter uns trinta anos, mas era uma pena, tão jovem, tinha a vida toda pela frente... Ele estava parado com uma mochila nas costas, uma mochila pesada, estava cheia de materiais que usaria no serviço. Aguardava o trem fora da área demarcada, fora da linha amarela, uma linha de proteção, nossa amiga ficou ao lado dele, apenas observando.
Logo o trem veio vindo, se aproximando numa velocidade moderada.
Ela aguardava pelo momento, mas parecia que nada aconteceria, então ela teve de intervir, tinha que dar um "empurrãozinho" e assim o fez. Esbarrou na mochila pesada de João, ele se desequilibrou e caiu nos trilhos, sem ter tempo para conseguir fugir, o trem passou por cima dele sem nenhuma dificuldade. Houve o rangido seco dos freios da locomotiva, o pânico geral de todos que ali estavam, a gritaria, o espanto e o último suspiro de João em vida, agora vinha o frio da pós-vida...
Mais uma vez ela, Edna Morthy, cumpriu de maneira esplêndida seu papel como morte, riscou em sua lista o nome de João, com sua caneta tinteiro, um presente que havia ganhado de seu chefe, O Divino, depois de completar 400 anos no cargo. Depois de tantos anos como morte, ela ainda mantinha a aparência jovial, tendo poucas rugas no rosto, um dia ela já foi magra, mas nunca ligou muito para sua aparência, no decorrer dos anos deixou essa preocupação de lado. Hoje estava um pouco acima do peso, de acordo com os padrões de beleza dos vivos, ela achava que tinha tudo na medida correta, tendo carne onde deveria ter. Mas ela era bela, ainda assim seu corpo daria inveja em muitas mulheres da terra.
Ela leu o nome seguinte, fechou os olhos e se transportou para um local diferente, mas muito familiar: a ala de pacientes terminais num grande hospital de São Paulo, lá foi ela caminhando novamente, agora naquele longo corredor, lentamente e sem pressa, no meio dos médicos e enfermeiros, até o quarto de seu próximo cliente...
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A Morthy no Divã.
Ficción GeneralEdna Morthy é uma funcionária, uma trabalhadora, como outra qualquer. Todo dia ela levanta cedo e segue sua rotina: bate o ponto, toma um gole de café com seus colegas de profissão e pega a lista, a lista com nomes de seus clientes para o dia, clien...