Capítulo 23 - Atormentada.

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Edna decidiu não fazer nenhum passeio aquela tarde.

Depois do que o doutor lhe disse, apenas queria voltar para casa e ficar encolhida num canto qualquer, esperando o tempo passar até que a próxima consulta chegasse no dia seguinte. Que espera terrível era aquela, sentia que estava tão, mas tão próxima do fim, mas não lhe fora dada nenhuma pista, nenhum sinal qualquer de que daqui pra frente as coisas realmente ficariam bem. Edna Morthy sofria aquilo da mesma maneira que muitos vivos sofrem, calados em seus cantos, seus calabouços particulares, eles se trancam e esperam até que o autor vire para a próxima página. Quem afinal sabe qual será o destino de suas vidas? Ou no caso de Morthy, quem sabe qual será o destino de sua eternidade?

Certamente ninguém sabe.

Ninguém está a altura para saber.

Ninguém é digno suficiente para saber.

Se Edna Morthy fosse viva, ela estaria se entregando ao cigarro, ou a bebida, pois a ansiedade que sentia nesses últimos dias e, particularmente agora, era tremenda. Tentou ler um livro, mas o enredo parecia o mesmo do último livro que havia lido; procurou algo para comer, mas não sentia fome; roeu as unhas e logo todas se acabaram. Sentia-se sufocada, sentia que seu apartamento era apenas um caixa, um retrato minúsculo do que havia lá, lá longe, largado no mundo, sentiu-se minúscula, sentiu-se apenas mais uma diante de milhões, bilhões de tantos outros. Procurou conforto num pensamento: talvez ela não fosse a única que passava por isso, talvez neste exato minuto um menino sentado numa cadeira escrevendo uma história, passasse pelo mesmo. Passasse pela incerteza terrível de ter de esperar e descobrir um futuro incerto.

— Talvez, talvez amanhã o doutor me dê uma injeção, tem de haver uma injeção, uma cura! — Confidenciou Edna ao nada.

Uma injeção! Sim, uma picada única, capaz de curar toda tristeza que afligia todos. Seria tão bom, seria tão bom se aqueles que sofrem nos leitos dos hospitais, necessitando da boa vontade do próximo para um transplante, recebessem uma injeção e a cura lhe fosse dada. Seria tão bom se aqueles que se sentissem sozinhos, sem nenhum amigo, recebessem uma injeção e recebessem a visita ou o chamado de dezenas de amigos. Seria tão bom se aqueles que se encontrassem em situação difícil recebessem uma injeção e vissem seus problemas sumindo, desaparecendo, e um mundo de infinitas possibilidades lhe fossem entregue. Seria bom demais para ser verdade, seria fácil demais se fosse assim...

Mas aos que acreditavam e que não acreditavam mais na possibilidade de uma injeção, havia a oração, havia a reza. Edna Morthy acreditava, acreditava que rezando, pedindo, talvez o cara lá de cima, ou o infinito, pudesse atender suas preces.

— Por favor, faça com que eu me sinta bem, faça com que tudo termine bem. — Edna disse deitada em sua cama e, enquanto dizia, lágrimas sinceras escorriam de seus olhos, olhos cansados, olhos que já viram tanto no decorrer de seus 420 anos de total eternidade. — Que algo bom aconteça para mim... Algo bom que me faça bem.

Sua reza, sua oração, seu pedido, não era diferente daqueles que os vivos pediam, não era diferente daquela oração que aquele menino que sentado escrevia uma história fazia.

Edna Morthy dormiu em meio as lágrimas e ao pranto, mas despertou apressada, queria logo ir até o consultório do doutor Divinno.

A Morthy no Divã.Onde histórias criam vida. Descubra agora