Com a mão direita o doutor Divinno balançou sua bengala, girou e girou, como num passe de mágica eles saíram dali e foram parar no cemitério da Consolação na cidade de São Paulo. Edna Morthy jamais esteve num cemitério, ficou confusa ao ver aquele monte de crucifixos, quando estava prestes a perguntar ao doutor onde estava, ele disse:
— Edna, aqui é onde todos vem parar depois de receber seus serviços, num cemitério. — O doutor soltou os braços de Edna e apontou sua bengala aos túmulos que estavam ao seu redor. — Aqui os vivos depositam os restos mortais de seus queridos, aqui é onde acontece o descanso eterno. Existem milhares de cemitérios, uma infinidades deles, todos guardam os restos, os pedaços, daqueles que passam pela consultoria da morte.
Morthy olhou ao seu redor, havia vários e vários túmulos, em alguns deles havia mais de um cliente, em alguns deles haviam famílias inteiras!
— Querida, depois de nossas sessões, depois de ouvir tudo aquilo pelo qual você passou... — O doutor se sentou num túmulo próximo e continuou dizendo. — ... você não pode voltar ao trabalho, seria difícil demais, pois você não mais se identifica com aquela tarefa. Sinto que caso você continue naquilo, você sentirá muita dor e sofrimento, pior do que isso, você não seguirá com os objetivos da empresa, você conseguirá achando um motivo, um meio para salvar aquelas vidas...
— Concordo com o senhor, doutor. — Edna disse interrompendo-o. — A morte precisa realmente existir no mundo? Será que a vida não deve sempre prevalecer?
O doutor gargalhou, sabia que aquela pergunta seria difícil de se responder, mas ele aceitou o desafio.
— Querida, a morte é necessária, tão necessária quanto o mal é para o bem. Se o mal não existisse, que significado teria o bem? Que significado ou, acima disso, valor! Que valor teria a vida se a morte não existisse? — O doutor caminhou e foi até próximo de um túmulo, um enterro prosseguia ali, o caixão descia lentamente até ser engolido pelas paredes de concreto, ou pela terra. — Imagine o que essas pessoas estão pensando agora? — O doutor puxou Edna para junto de si e disse ao pé de seu ouvido. — "Tenho de parar de fumar", "tenho de parar de beber", "tenho que dizer aos meus queridos que os amo", "tenho de aproveitar enquanto há tempo", isso é o que eles pensam agora, pensam nisso e pensam na saudade daquele que partiu e que é engolido pela cova. Não estou tratando o assunto com descaso, estou sendo verdadeiro, querida. Trata-se do ciclo da vida, indo, indo e chegando ao fim derradeiro. Tudo que é vivo, nasce, cresce, vive e morre, não apenas os seres humanos! O mesmo ocorre com os animais, com as plantas e com as pequenas partículas que compõe a carne dos vivos, entende?
— Sim! Agora entendo! — Edna disse num tom de euforia, mas logo o tom de euforia deu espaço ao tom de tristeza. — A morte é necessária, assim como todo sofrimento que vem com ela. Mas o que farei agora doutor? Se não posso mais ser uma morte, o que será de mim?
— Calma, querida, sei muito bem o que você poderá ser e fazer! — Disse o doutor diante de Edna. — Você me apareceu como um caso único, jamais recebi em meu consultório alguém como você, querida Edna. Depois de tanto tempo cumprindo o dever de morte, você, de modo muito prematuro, aprendeu os valores de empatia, de compaixão, para com os vivos. Nada mais justo seria se você lhe fosse dada uma promoção, se você fosse colocada como uma protetora, como uma guardiã da vida!
— Mas o quê? Guardiã da vida? Não sei se posso...
— Nã, na, ni, na, não! Você pode, sei que é capaz, você provou que é durante todas essas nossas sessões, capaz! — O doutor disse aquilo apoiando sua mão no ombro de Edna. — Sei que pode parecer difícil no início, mas sei que você rapidamente irá se adaptar a essa nova atividade, a esse novo propósito. — Os dois sentaram-se novamente sobre um túmulo e ouviram o canto dos pássaros que haviam ali. Edna ficou quieta, estava pensando naquela possibilidade, talvez fosse mais fácil ser uma guardiã da vida do que ser uma morte, logo passou a gostar da ideia. Poucos minutos depois o doutor quebrou o silêncio e disse. — Edna, que tal irmos assistir a chegada de uma vida? Será uma experiência única, acredite!
O doutor levantou-se, estendeu seu braço esquerdo, Edna logo entrelaçou-se no doutor, ele girou sua bengala e pronto!
Estavam fora do cemitério, estavam num local onde tudo começa.
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A Morthy no Divã.
Genel KurguEdna Morthy é uma funcionária, uma trabalhadora, como outra qualquer. Todo dia ela levanta cedo e segue sua rotina: bate o ponto, toma um gole de café com seus colegas de profissão e pega a lista, a lista com nomes de seus clientes para o dia, clien...