Era mais um dia comum, mais um dia comum de trabalho para Edna, ela já havia riscado pelo menos uns cinco nomes da lista aquele dia, estava agora se encaminhando para o sexto nome. Já era tarde, o sol começava a se por no horizonte, mas a vida continuava agitada na cidade do Rio de Janeiro, isso aconteceu na década de 1980. Naquele tempo Edna foi realocada para a cidade maravilhosa, por ordens de seu chefe, O Divino.
O nome da cliente era Elizethe Prado da Silva, uma mulher morena de olhos castanhos, na casa dos 30 anos, tinha o corpo tipo violão, usava um vestido soltinho que se destacava pelas curvas de seu corpo. Lá foi Edna, seguindo Eli, vestida de preto e sem nenhuma marquinha feita pelo sol em sua pele, pele pálida, se os vivos pudessem vê-la, facilmente se destacaria no meio deles. Eli pegou sua filhinha na escolinha do bairro, uma menina que deveria ter menos de cinco anos, Edna achou a criança uma fofura, uma miniatura da mãe.
Edna Morthy decidiu esperar, não queria fazer nada enquanto a mãe estivesse com a filha no colo e desejou com todas suas forças que nada externo viesse a acontecer. Sabe se lá, não é mesmo? Elizethe talvez fosse atropelada; escorregasse numa poça d'água e caísse de cabeça no meio fio (como o caso de José); fosse atingida por uma bala perdida; Ou simplesmente, ela, Elizethe, tivesse ali no meio da rua um ataque do coração e morresse antes que o socorro viesse.
É muito fácil morrer, Edna sabia disso, será que os vivos tem noção disso?
Enfim, Elizethe e sua filhinha chegaram no bairro em que moravam, um bairro de pessoas humildes. Crianças corriam e brincavam soltas pelas ruas, enquanto suas mães e pais trabalhavam no centro da cidade, Elizethe era uma das poucas que conseguiam cuidar dos filhos e da casa. Seu marido era o único que trabalhava, o pouco que ganhava dava para sustentar a mulher e a filha. Eles moravam numa casa simples, um barracão de zinco. Edna estava acostumada com aquilo, ela atendia todo tipo de clientes, não lhe importava a classe social, fosse rico ou pobre, todos morriam.
O clima naquela casa era festivo, não tinham motivo para isso, mas as duas estavam felizes, alegres, sorriam e gargalhavam sempre sem motivo algum. Elizethe deu banho na menina, depois deixou que ela assistisse um pouco de televisão e então passou a cuidar do jantar, enquanto Elizethe ficou ali na cozinha Edna percebeu algo. Algo estranho no corpo daquela mulher, de sua cliente, próximo do peito havia uma mancha, uma imensa mancha roxa. Edna concluiu que ela deve ter batido em algo muito forte, ou algo havia batido nela muito forte... E havia outras manchas, uma escondida pelo vestido, na coxa direita uma mancha roxa ia de ponta a ponta. "Ou ela é muito desastrada, ou ela tem apanhado... apanhado de quem?", pensou Morthy encostada no batente da porta da cozinha.
As horas foram passando, o jantar já estava pronto, Edna Morthy percebeu que sua cliente passava a olhar de forma mais constante para o relógio pendurado na parede da sala.
— E esse teu pai que não chega? — Disse Elizethe puxando sua filhinha para si no sofá. — Meu Deus... espero que ele não venha para casa hoje...
Edna achou estranho aqui, qual a mulher que não deseja que o marido volte para casa? Havia algo estranho naquilo, "muito estranho", pensou enquanto se apoiava no braço do sofá. "Pobre Elizethe, deve sofrer com esse marido", pensou Edna, ela sabia que muitas mulheres sofriam, apanhavam de seus maridos...
Uma hora se passou, mãe e filha jantaram na mesa da cozinha, enquanto comiam, brincavam uma com a outra. A mãe levava a colher até a boca de sua filha.
— Olha o aviãozinhoooo. — Dizia a mãe e então a filha abria sua boca e comia toda a comida. — Isso, meu anjo, tem de comer tudo pra ficar bem forte. — Pobre Elizethe, jamais veria a filha grande, crescida e forte. Edna ficou meio sentida com aquilo, aquela criança cresceria sem a mãe, mas talvez, quem sabe, o pai fosse um bom pai para a criança.
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A Morthy no Divã.
قصص عامةEdna Morthy é uma funcionária, uma trabalhadora, como outra qualquer. Todo dia ela levanta cedo e segue sua rotina: bate o ponto, toma um gole de café com seus colegas de profissão e pega a lista, a lista com nomes de seus clientes para o dia, clien...