A chegada

219 7 1
                                    

O navio voador cortava o ar, denso como mel, a turbulência jogava bagagens, baús, barris e pessoas de um lado ao outro do convés, os marinheiros gritavam e corriam, deslizando pelo chão molhado, puxando cordas, tentando manter a embarcação sob controle

No convés inferior, o odor infecto de mofo, urina e fezes de animais irritava o nariz dos passageiros, em sua maioria burgueses, livres das amarras plebeias do feudalismo, mas ainda sem o prestigio da nobreza, desacostumados á condições diferentes das vistas num casarão interiorano

Galinhas, porcos e cachorros viviam em meio ás pessoas, os homens afastavam o sentimento ruim de viver com álcool num pequeno bar, servido por um marinheiro barbudo com cheiro de maresia e cigarro

As mulheres tentam esconder seus rostos por detrás de um tipo característico de chapéu de aba larga com penas de pavão, para disfarçar o choro e a vergonha de estarem neste ambiente

Mas dentre todos esses burgueses, há uma unica aristocrata, uma elfa usando um vestido simples azul e o mesmo chapéu das outras moças, Lillya bebia um pouco afastada, sentada num baú cheio de tralhas levadas pelos marinheiros, seu cabelo loiro era amarrado em um penteado tradicional, consistindo em dois rabos de cavalo, um partindo de cada lado da cabeça, com o resto do volume do cabelo escorrendo até o meio das costas

Enquanto isso, os marinheiros lutavam contra a fera de madeira e lona, cujas cordas chicoteavam pelo ar, um marinheiro teve uma orelha arrancada pelo chicotear violento de uma corda, caindo ao chão berrando de dor

O navio fez um movimento brusco para a direita, com dezenas de homens sendo derrubados no chão escorregadio, a chuva densa castigava a madeira, que rangia em resposta, o céu negro relampejava, ameaçando incendiar a embarcação, encerrando a vida de todos bem ali

Um movimento para a esquerda, o navio atravessou uma nuvem, e ao sair dela, o céu se abriu, revelando a gigantesca ilha logo á frente, uma crosta flutuante de terra que se estendia por muitos quilômetros abaixo, a cidade á frente irrompia bem na costa, cortada por um grandioso rio que despejava milhares de litros no abismo abaixo

Movimentos precisos dos marinheiros aproximaram a embarcação da costa, permitindo que o navio fosse capturado por correntes de metal arremessadas pelos homens no porto, puxando a nau para pousar na superfície, e assim ela o fez com um suave pouso, uma rampa foi colocada, e os passageiros prontamente se movimentaram para pegar suas posses e adentrar na um pouco menos infecta cidade

Lillya parou por um segundo antes de pisar no solo de Eterium, vendo que o chão sólido era permanentemente coberto por uma camada de lama, ela hesitou, mas rapidamente cedeu e pôs-se á pisar com sua bota naquela imundice

A cidade se estendia para além da vista, com algumas montanhas se erguendo no horizonte, as casas eram muitas e de variáveis tipos, desde simples cabanas de taipa, casas de madeira e raros pequenos palacetes de pedras, quase todas tinham a mesma cobertura de telhas avermelhadas que ditava o tom rústico da cidade

Pessoas se moviam de um lado para o outro em aglomerações, mercados vendiam peixes, porcos e galinhas, cavalos passavam pelo meio das ruas estreitas, a cidade era viva e pulsava nesse movimento constante de uma massa majoritariamente humana, pois assim como em todo o resto do mundo conhecido, a raça humana, principalmente do povo imperial, é maioria esmagadora, com outros povos e mesmo etnias e culturas sendo incomuns nos grandes centros e relegadas ao preconceito

A elfa atravessou a cidade, o cheiro de cerveja e pão era constante, apesar de azedado pelo odor de urina, a garota então entrou numa taverna específica, com um nome que a garota logo esqueceu, ela logo atravessou o salão e se dirigiu para uma mesa num canto qualquer, pediu uma bebida e esperou vários minutos

Lillya sentiu uma grande e pesada mão em seu ombro

-Então a filha dos antigos imperadores bebe numa taverna como essa?

O homem em questão era forte, atarracado, parecia ter uns quarenta anos, vestia uma grossa armadura de peles, sua barba era amarrada numa trança curta, e seu cabelo castanho era curto, raspado dos lados

-A "filha dos antigos imperadores" não tem dinheiro para comer em um lugar melhor, é bom te ver, Rudorn

Disse a garota, dando mais um gole em sua cerveja, o anão riu e sentou-se á sua frente

-Nunca imaginei que a filha de meu falecido colega estaria viva depois de tanto tempo e tanta coisa!

O anão falava alto, tinha alguns esparsos pelos brancos em sua barba castanha, ele também pediu uma bebida e esperou antes de continuar a conversa

-Me diga, oque você quis dizer com aquela carta que me enviou?

Perguntou o homem, tomando longos goles de sua bebida, Lillya se reajustou na mesa e aproximou o rosto, colocando as mãos sobre a mesa

-Eu quero apoio

-Apoio?

Respondeu Rudorn, contorcendo a sobrancelha

-Eu preciso de apoio pra restaurar a posição da minha família, por isso eu preciso da sua ajuda

Disse a elfa, o anão ficou alguns segundos em silêncio, mastigando a situação junto com pão e cerveja

-E como pretende fazer isso? Vai tentar dar um golpe?

Perguntou o homem, sua barba agora se enchia de migalhas e espuma, Lillya balançou a cabeça negativamente

-Vou me aproximar do rei, sei que ele se trata de um degenerado fraco, posso me aproveitar disso para conseguir uma posição de prestígio

O anão coçou a barba, ele pôs a mão em seu bolso e retirou um pequeno fragmento de metal

-Toma, era da sua tataravó

Um pequeno pedaço de uma lâmina dourada caiu da enorme mão de rudorn para a mesa, assim que a garota pôs os olhos sobre o objeto ela ficou impressionada

-Onde... onde conseguiu?

-Estava num templo em ruínas não muito longe da cidade

O anão passou a mão no queixo

-Minha mandíbula ainda dói, precisei visitar uma conhecida que pudesse consertar a minha cara

-Não tem ideia de quanto isso é importante para mim, muito obrigada

Os dois comeram em silêncio durante alguns minutos, antes que Lillya voltasse á falar

-Tem algum lugar onde eu possa ficar?

Rudorn pensou por um momento

-A conhecida de que falei tem uma estalagem, eu pago pra você, lá podemos conversar melhor

A elfa agradeceu, antes de pedir mais uma bebida

A Coroa de CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora