Um brinde á nobreza

43 3 0
                                    

Ao cair de suas pesadas pálpebras, Lillya se vê emersa na escuridão, e aos poucos aquele tecido enegrecido de infinito alcance vai tomando formas, e logo ela se vê no que parece ser um lugar fechado. Pelo ranger ela deduz ser de madeira, e pelo movimento suave ela deduz ser um navio, um navio voador, é claro, pois não existe nada entre as ilhas do arquipélago, o continente ou as terras imperiais que não seja o vazio que se pode observar abaixo. Naquela altura, os ventos são fortes, mas parecia ser um dia relativamente calmo, até que um raio de luz irrompe de cima, revelando um alçapão, e do convés, pode-se ver um homem gordo e careca, vestido com uma túnica grossa que cobre apenas da cintura para baixo, como uma saia. Atrás dele pode-se ver a lua brilhando junto com as estrelas, destacando sua silhueta. Assim que a figura aparece, a escuridão ao redor de Lillya parece se retorcer em agonia, e algumas respirações aceleradas podem ser distinguidas do som da madeira rangendo. O homem acende uma lamparina, revelando ter um nariz achatado, talvez esmagado, um bigode ralo e uma barba mal feita, ele esboça um enorme sorriso cheio de dentes quebrados, retorcidos e amarelados, e então desce uma escada de madeira precária até o porão, descendo logo em seguida.

-E então, aproveitando bem a viagem, minhas pequenas? Vamos conseguir um bom dinheiro com vocês na ilha à frente!

Diz o homem animadamente, tomando um objeto na mão que a elfa logo identificou como um chicote, ele então coloca sua mão na escuridão do fundo do porão, retirando na mão uma garotinha de curtos cabelos loiros, que tem os olhos encharcados em lágrimas.

-Exceto você, minha bonequinha, hehe, você vai ser só minha

Sussurra o asqueroso, enquanto acaricia o rosto da jovem, que cerra os dentes e olha rispidamente para o lado, cuspindo como se debochasse de seu raptor, apenas para ser estapeada no rosto pela enorme mão do pirata, e ser arremessada brutalmente no chão de madeira dura, porcamente forrado em palha. O homem aponta seu dedo indicador para a garota e grita duras palavras de ameaça

-Vou lhe domesticar à força, sua vadia! ficará mansa como um cachorro adestrado!

O final da frase se perde nos pensamentos da elfa, enquanto ela acorda num sobressalto em sua cama de estalagem, suando frio e respirando pesadamente, sentindo sua garganta apertar como se a enforcasse, ela coloca a cabeça entre os joelhos e respira fundo diversas vezes, forçando o ar em seus pulmões até relaxar o bastante pra tomar decisões conscientes, para então vestir sua roupa de sempre, hesitar por um momento em frente á porta, e então atravessar um pequeno corredor de madeira, iluminado por lampejos de luz solar que atravessam uma janela ao topo de uma escada no fim do corredor, e ao desce-la, vê algumas pessoas conhecidas numa mesa, com a taverneira humana mortalia servindo bebidas, o anão Rudorn levanta sua mão direita, convidando a elfa para se sentar ao seu lado, e ela o faz, pegando um pedaço de pão que estava sobre a mesa e o levando á boca

O homem conversava animadamente com uma das taverneiras ao seu lado, Lillya pediu um copo de café e pegou uma fatia de queijo sobre a mesa para acompanhar seu café da manhã, ela terminou em poucos minutos, e ficou em silêncio, apenas olhando para o fundo de seu copo, pensando nas próximas palavras que iria falar

-Sobre oque falamos ontem...

-Ah!

Rudorn pareceu se lembrar, ele se despediu da moça e voltou sua atenção para a elfa

-Oque exatamente você quer saber?

-Qual a chance de eu conseguir uma audiência real?

Perguntou a garota, o anão não se demorou sequer um segundo antes de responder

-Zero, é impossível, já seria difícil normalmente, com a instabilidade atual é totalmente impossível

Lillya abaixou a cabeça, pensando nas possibilidades, até que Rudorn quebrou o silêncio

-Tem um baile real próximo, seu título deve ser suficiente pra conseguir entrar

A elfa levantou a cabeça de novo, olhando de volta para o homem

-Quando?

-Em alguns dias, eu posso te levar lá quando for o dia, e Mortalia pode lhe emprestar alguma roupa adequada

A garota assentiu com um gesto de cabeça, encheu o copo novamente com café preto, o vapor e o cheiro entravam em suas narinas

-Você tem contatos com os duques, quais você recomenda que eu me aproxime?

Rudorn coçou a barba e pensou por um momento

-Eu só conheço três nobres daqui, o próprio rei Thiago, o duque Ervígio, e uma víbora sedutora chamada Sirion, outra duquesa

-Entendo, entendo

Lillya bebeu um longo gole, finalizando seu café

Um novo copo surge diante da elfa, trazida pela taverneira mortalha

-Por conta da casa

Diz a mulher, sorrindo para a garota, ela apenas aceita com um gesto de cabeça e bebe o café do novo copo

A Coroa de CinzasOnde histórias criam vida. Descubra agora