09 | " Tão solidária, ela!"

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Jane

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Jane

Não conseguia ver completamente a igreja da altura em que estávamos, apenas seu telhado num tom de vermelho vivo pintado recentemente. As paredes brancas, antes corroídas por intempéries, agora lisas e chamativas, não faziam parte de nosso campo de visão.
Podia-se dizer que estávamos próximos, porque era apenas subir mais um pouco daquela terra íngreme, mas nossas pernas não tinham o mesmo sentimento.

Já havíamos passado pela praça, pelo supermercado do Sr. Dawson, pela casa de Valery Hill, ou seja, não era o trajeto mais demorado que já fizemos, mas ainda nos cansava, mesmo sendo feito por mim todas as segundas-feiras à tarde, depois do colégio.

A igreja era um pouco pequena, mas possuía um charme e um aconchego instantâneo. Com as paredes brancas, as janelas e portas de um marrom vivo e o telhado aurora, era como uma pequena casa de boneca. Ela se situava sobre uma elevação, como um pequeno monte, onde se podia ver a cruz erguida sobre o telhado, de uma distância considerável. E por fim, um grande ipê de um rosa alegre se situava no terreno, embelezando ainda mais o local.

Todas as segundas, à partir das 14h00, ocorria Segunda Solidária, que era uma espécie de trabalho caridoso oferecido pela igreja do pastor Norman, na qual servíamos sopas para os menos afortunados e trazíamos casacos doados que recolhemos durante toda a semana para distribuir. Não era um número muito grande de pessoas carentes, ou seja, dava para diversificar o tipo de alimento que seria servido e não causava tumulto na pequena igreja. As pessoas poderiam se acomodar na pouca quantidade de mesa e cadeira que dispúnhamos. Quando faltava espaço, algumas se sentavam sobe o ipê.

A primeira vez que participei de uma Segunda Solidária, foi com meus doze anos, junto ao meu pai. Que ao invés de sopas, distribuímos cestas básicas bem fartas, já que, aquele havia sido um bom ano para todos. Também lembro de ter ficado extasiada com a quantidade de crianças que eu teria para brincar e com os sorrisos mais sinceros delas quando recebiam brinquedos doados.

Aquele dia me marcou bastante, lembro-me de não ter visto as horas passarem enquanto pintava os diversos desenhos com um giz de cera vermelho, debaixo do ipê.
Ainda recordo de uma garotinha chamada Dora, do pijama rasgado, que havia se tornado a minha fiel companheira naquela tarde. Seus olhos chocolates eram os mais bonitos que eu já havia visto.

Meu pai me contou sobre ela, dizia que sua família era bem humilde e que os irmãos mais velhos largavam a escola para trabalhar e ajudar a cuidar dos mais novos. O mesmo aconteceu com Dora, quando perguntei em que ano estava e ela não soube me responder.

Aquela foi a única e última tarde em que vi Dora. Alguns dizem que sua família se mudou outros dizem que ela faleceu. Já eu, não sei de nada, apenas a guardo comigo em meu caderno, onde seus olhos chocolates nunca se fecharão.

Depois daquele ano, todos os anos seguintes eu vinha participar desta ação caridosa, produzindo as mais doces lembranças. Como quando meu pai me carregava em seus ombros por toda a igreja, cumprimentando todas aquelas pessoas com um sorriso simpático e amável durante seu trajeto, me incentivando a fazer o mesmo.O que me deixou conhecida, já que, sempre perguntavam pela garotinha banguela com um chapéu de cowboy dos ombros de Sam.

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