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– OBRIGADO PELO seu conselho a apaixonada. Vou manter o “ir atrás do peixe ou jogar a isca fora”.

Aquilo não era uma confusão? O objeto de afeição não correspondida, e portanto também de culpa intensa – afinal, Selena era noiva de seu melhor amigo –, estava sentada do outro lado da mesa, banhada pela luz de velas, usando uma blusa sensual e short, e aconselhando-a a investir nela. Pelo menos, foi assim que Demi interpretou a charmosa expressão coloquial usada por Selena. Selena encheu sua taça de vinho e também serviu a dela. 

– Bem, acho que você deveria mandar ver. O que tem a perder?

 O que ela tinha a perder se investisse nela naquele exato instante?

 – Nada, na verdade, além daquelas coisinhas como orgulho e autoestima. 

– É bem difícil abraçar e se aconchegar a essa coisas.

 Ou saborear uma taça de vinho ou um banho à luz de velas com elas também.

Demi se esforçava para manter a expressão de diversão sarcástica ao mesmo tempo que, em seu íntimo, as palavras de Selena brincavam em sua cabeça como instantâneos. A ironia de compartilhar uma taça de vinho com Selena sob a luz de velas quase a matou. Ela era uma total masoquista por participar daquela conversa. Diabos, era uma masoquista por ao menos estar ali!

– Mas uma taça de vinho acaba, cedo ou tarde; as velas por fim se queimam inteiras; e a água da banheira esfria. Assim, talvez seja necessário fazer a escolha mais duradoura.

– Só que a vida é passageira. O amanhã pode não chegar antes de o vinho parar de fluir e de a água esfriar.

– Estou na companhia de uma hedonista? – perguntou ela, recordando- se muito claramente das apresentações recentes a Mindinho e Beto Balanço, seus namorados sob encomenda. Selena enfiou uma mecha de cabelo atrás da orelha. 

– A vida é curta, e é uma pena desperdiçar oportunidades. Essa mulher pode ser o amor da sua vida, e você a está deixando escapar. E quem sabe? Ela pode sentir o mesmo por você.

Ela era mesmo patética. Estava lisonjeada por Selena não a considerar tão repugnante a ponto de ser incapaz de imaginar uma mulher atraída por ela.

– Talvez ela apenas não saiba ainda. Ou pode ser tímida e estar com medo de lhe dizer.

Demi gargalhou. Nada disso lhe vinha à mente num exercício de associação de palavras a Selena. Tirando sua aversão ao escuro, Selena nunca demonstrara nenhuma característica.

– Não creio que tímida ou medrosa sejam fatores quando se trata da minha amada.

Selena apoiou o cotovelo na mesa e franziu os lábios, tamborilando um dedinho no canto da boca enquanto a espiava com atenção.

Sua boca era mesmo adorável, farta, mas sem os preenchimentos de colágeno tão populares atualmente.

– Bem, talvez seja algum tipo de amor cortês. – Selena estalou os dedos. – É isso! Você sabe, nobreza e tudo o mais. Cavaleiros só amavam suas damas de longe. Vai ver, você só está com medo de se declarar porque o amor não é de verdade. É possível que você não soubesse o que fazer com ela se de fato correspondesse à sua atração.

Selena cruzou os braços como se tivesse resolvido um pequeno quebra- cabeça.

A época da juventude de Demi, quando via a si mesma como uma cavaleira arrojada, já tinham acabado fazia muito tempo. Não havia nada de cortês ou nobre no turbilhão de emoções que Selena evocava nela.

Demi ardia totalmente por ela. E já estava cansada daquela especulação. Era hora de dar fim à conversa. Demi conhecia um jeito certeiro de matar o assunto e provar a Selena o quão longe estava de suas percepções românticas.

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