Capítulo 1 - Agora

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Abaixe a cabeça e ande. É a única coisa que consigo pensar enquanto vou desviando das pessoas. Todas ocupadas demais para reparar em uma adolescente com um hematoma no olho. Não uso capuz, porque antes de sair percebi que pessoas normais não andam por aí com o rosto coberto. Pessoas normais não têm nada a esconder em plena luz do dia. Pessoas normais não geram suspeitas.

Eu no máximo posso ser confundida com uma moradora de rua. Eu mesma me confundiria. Não sei se o endereço está correto, mas meus pés continuam a seguir até uma rua pouco movimentada. Demorei bastante tempo até entender que o lugar em si era um prédio abandonado. Aparentemente, não quer dizer que seja verdade.

Sinto dificuldade de respirar, minhas costas doem, mas eu não posso parar. Vamos, Erin, ande. Relaxe os braços e olhe para baixo. Não tanto para não esbarrar em alguém. Passos os dedos pela identidade verdadeira que consegui, escondida dentro do bolso do moletom, junto com uma pistola de brinquedo. Você é Rosanna Stoneham, dezessete anos, ótima filha, boa aluna. Tive que ralar a foto da garota com a ponta da chave para que não fique tão evidente que não é minha. Até um míope veria a diferença, os olhos azuis e a pele livre de sardas não fazem bem o meu tipo. Não tenho tanta carne no rosto, pareço um zumbi. Um zumbi armado com uma pistola de brinquedo.

Ordens são dadas o tempo inteiro dentro da minha cabeça, tentando me convencer de que estou fazendo a coisa certa. Não, roubar a mochila de alguém não era o correto a se fazer, mas eu prometi deixar em algum lugar que possa ser devolvida. Isso se eu sobreviver, o que é pouco provável. Roubar e mentir não são exatamente o que eu mais gosto de fazer, e por ironia descobri que sou boa nisso. Tudo para encontra-lo. Só ele pode me ajudar.

O vento gelado me tira da inércia. Sem perceber acabei dando a volta no quarteirão. Eu estou dormindo em pé. Tão cansada e com medo. Morrendo de medo, na verdade. Há algo dentro de mim dizendo que não vai dar certo e ele não vai se lembrar de mim. Sinto como se alguém estivesse enfiando o dedo no ombro esquerdo, logo abaixo da clavícula. A dor é persistente e se une com o frio para me manter alerta

Paro diante o prédio. A arquitetura é antiga, e por fora está tudo conservado demais para um prédio abandonado. Sinto calafrios, e acho que vou ter febre mais tarde. Pânico corre dentro das minhas veias. E se ele não estiver lá? E se todos os escritos estiverem errados? Isso significa semanas de procura e não vou sobreviver até lá. Estou cansada, mas não consigo dormir. Eu tenho fome, porém gastei meu dinheiro quase todo para chegar aqui. Eu vou morrer, em um lugar que não conheço ninguém. Todas as minhas esperanças se uniram em um fio, ligadas a mim por um nó quase desfeito que eu tento me agarrar a todo custo. Eu estou cansada e vou morrer, as esperanças vão subir até o céu feito um balão de gás hélio.

Não há nada de anormal na rua, são poucos os carros que passam e os pedestres devem estar passando por um lugar mais movimentado. Olho os dois lados — como minha mãe nunca se esqueceu de me lembrar — e atravesso a rua, com as pernas tremendo, rumo a escuridão do prédio, eu queria que minha mãe estivesse aqui. Facilitaria as coisas.

Eu era tão pequena e também acho que se não fosse pelas fotos seria um tanto difícil reconhece-lo. Tento ao máximo afastar pensamentos ruins, mas se ele realmente não se lembrar, não relacionar meu sobrenome com alguma memória sua, eu posso me considerar perdida. Vou estar por conta própria. Ah, Droga! Não vou durar muito tempo.

Eu sei que estou sendo observada. Está um pouco escuro, mas sei que há câmeras por aqui, eu sei disso. Meu coração acelera e no começo tudo o que eu consigo ouvir é a minha respiração desesperada. Depois vêm os passos. É um bom sinal, eu estou no prédio certo. Logo eu consigo enxergar. Dois homens com coletes à prova de balas e capacetes segurando o que eu acho que são fuzis. Talvez eles atirem em mim. Imagino a cena: uma mendiga armada com explosivos em um dos esconderijos do FBI. O barulho feito pelas botas de combate aumenta a medida que a distância diminui.

— Ei, você! — grita um deles. Sua voz é jovem, porém firme — coloque as mãos onde eu possa ver.

Eu hesito. Nós nos encaramos por alguns segundos. Só consigo pensar no quanto esse uniforme envelhece. Tento lembrar o maldito plano, tudo o que eu tinha repassado na minha cabeça a noite toda, o real motivo de eu estar aqui. Branco e preto. Eu não lembro de nada. Eu estudei para uma prova e agora, na manhã seguinte não lembro absolutamente nada. Eles vão atirar.

— Coloque as mãos onde eu possa ver! — a voz do segundo homem me tira do transe.

Eu levanto as mãos e sem pensar levo a maldita pistola junto. Eles me mandam jogar a arma no chão, eu obedeço empurrando-a com o pé, como se fosse grande coisa. Eles me levam para dentro, algemada, e não consigo entender o que eu fiz de errado. Dentro é mais agradável, há pessoas também. Alguns me olham enquanto eu sou levada para uma caixa de vidro. Eles devem estar achando que o volume por baixo do moletom é algo perigoso. Mas não. É só a minha blusa que é longa demais. Eu só queria parecer normal. Olho para baixo e vejo que realmente, deveria pego uma blusa menor. E agora estou presa e me sentindo mal. Eu vejo tudo rodar, e acho que vou morrer.

— Qual é o seu nome e o que você estava fazendo lá embaixo? — pergunta um homem negro com uma expressão que não consigo definir.

— Mary-Kate e eu estava procurando meu pai.

Mentirosa. Senti meu estômago revirar e um calafrio me fez tremer.

— E quem é seu pai? — vejo suas sobrancelhas se unirem.

Respiro fundo e digo de uma vez só antes de vomitar:

— Raymond Reddington.

Mentir é pecado, mas eu minto divinamente.

E eu gosto disso.

DeBrassioOnde histórias criam vida. Descubra agora