Capítulo 8 - Antes

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Seth voltou ileso, mas não trouxe minha mãe de volta. Nem mesmo mencionou algo a respeito. Estou cada vez mais perdida e não tenho ninguém que possa me ajudar. Olho para Gwen, que compete com Seth no Just Dance. Sei que ela consegue guardar segredo, mas lá no fundo, sinto que talvez não valha a pena contar. Ela não pode me ajudar, e contar só vai aumentar a minha frustração depois.

Conheço os Whalen desde sempre. Mesmo antes de voltarmos de Nova York, quando mamãe decidiu que era necessário sumir por uns tempos para que meu pai desistisse de reivindicar nossa guarda legal. Gwen diz que somos irmãs de leite, porque logo quando eu nasci minha mãe teve algumas complicações e não pode cuidar de mim. Então, Alexandra Whalen cuidou de mim até que a minha mãe tivesse condições para fazer seu papel. Laurel me disse uma vez que ficamos quase dois anos sendo ajudadas pelos Whalen, já que minha mãe se recusava a telefonar para nossa avó.

— Erin, é a sua vez — Gwen fala, ofegando, enquanto me puxa pelo braço.

Mal percebi que o jogo havia acabado e que Gwen perdera o duelo.

— Ah não, gente. Me deixem sentada aqui, eu estou morrendo de cólica. — choraminguei, sentando de volta.

— Qual é Erin, admite logo que está com medo de perder de mim — Seth se exibe, alongando os braços, se achando o atleta — Todos desse bairro sabe que sou o melhor em Just Dance. Até nas músicas da Lady Gaga consigo te ganhar.

— Ai ai, garota. Se eu fosse você não deixava ele se achar assim. — Gwen vai até o balcão e traz suco para nós duas — E você anda muito paradona, precisa dançar.

Tento que pensar um pouco; no fundo eu estou aflita, principalmente porque não consigo falar para ninguém o que está acontecendo. A cólica nem está tão forte assim. Talvez eu precise me mexer um pouco. E fazer Seth deixar de ser tão metido.

— Tudo bem — me levanto, colocando o copo no balcão — mas só se me deixar escolher a música.

...

Meu corpo todo dói. Perdi para Seth, mas ainda joguei umas quatro vezes. Não me lembro de ter me divertido tanto nessa semana. Parece que as cores voltaram aos seus lugares. E lá no fundo tenho a esperança de que talvez as coisas possam voltar ao normal.

Tenho que ir para casa, apesar de não querer. Então, já que Alexandra está de plantão, consigo convencer Gwen a me convidar para dormir aqui. Porém, ainda tenho que ir em casa buscar, pelo menos a minha escova de dente. Atravesso a rua em silêncio. Talvez eu esteja com um pouquinho de medo de ir para casa; mas sigo enfrente mesmo assim. Já do outro lado da rua, paro um pouco para observar a casa dos Whalen. Apesar da mãe deles nunca estar em casa e do pai estar fora à serviço do Exército Americano, eles parecem bastante felizes cuidando um dos outros. Queria poder me sentir assim também.

Percebo que todas as janelas do andar de cima estão apagadas, exceto uma, a do quarto de Ricky. E lá está ele, me encarando rente a janela, com os braços cruzados e uma expressão que não sei se é de raiva ou sei lá, deve ser de raiva mesmo.

Corro para casa, porque apesar de não falar com ele e de nunca o ver fora da escola, não consigo me lembrar de um motivo para me olhar daquele jeito. Corro para casa, não há mais o que olhar.

A casa continua arrumada, o cheiro de baunilha ainda permanece no ar. Ligo a televisão para não me sentir tão sozinha, tranco a porta e corro para o banheiro. Estou com medo e aquela ideia antiga de que se eu não de se eu não demorar sozinha, ninguém poderá me machucar. Bem, pelo menos era assim que eu costumava pensar até um dia desses.

De volta à casa dos Whalen, me ajeito em um colchão no quarto de Gwen. É como se estivéssemos voltado à quinta série, quando fazíamos festas do pijama e assistíamos séries no laptop da Sra. Whalen.

— Eu queria que amanhã fosse feriado — comenta Gwen, ajeitando o pijama, que no caso é meu — aí a gente poderia assistir Grey's Anatomy e acordar tarde amanha. Mas o plantão da Capitã termina amanhã, e ela me mata se souber que faltamos aula.

Faço que sim com a cabeça e me embrulho com uma coberta de lã. Sempre achei engraçado Alexandra ser chamada pelos filhos de capitã. Só sei que é porque assim como o marido, a Sra. Whalen serviu como enfermeira no Exército, então ela educa os filhos de um jeito mais ou menos militar. Eu não ligaria se minha mãe agisse assim, pelo menos ela estaria aqui.

— Sábado à noite fazemos isso, certo? — sugiro, apagando a luz — daqui para o sábado as coisas se resolvem.

...

Acordo com sede. Me bate uma preguiça de levantar, porque só vou encontrar água no andar de baixo, na cozinha.

Está com medo do escuro, Erin?

Levanto-me devagar para não acordar Gwen, que costuma ter o sono leve. E fechando a porta do quarto, me arrasto pelo corredor a fora. O silêncio é tão grande que consigo ouvir minha respiração. Talvez eu só esteja nervosa mesmo. Desço degrau a degrau, com as pernas tremendo. Eu não sei. Não costumo ficar assim. A casa dos Whalen é quase a minha casa também. Passo por pelo corredor iluminado apenas pelas lanternas de emergência.

Não há necessidade de ligar a luz, vou beber água da torneira mesmo. E a sensação é deliciosa. Apesar de um pouco gelada, fico por quase um minuto bebendo e deixando a água escorrer pelo rosto. De repente, tenho a sensação de estar sendo vigiada. Eu congelo, deixando que a água escorra e molhe um pouco do pijama.

— Eu sei o que você fez. — Ricky sussurra, em meio a escuridão.

— Puta merda! — deixo escapar — como assim o que eu fiz?

Desligo a torneira e me coloco de frente para encará-lo. Não dar pra ver direito, mas sei que ele não está sorrindo. A coisa não é muito boa.

— Eu sei o que você fez, Erin

— Como você sabe? — agarro a primeira coisa que encontro: um copo. Se ele der mais um passo, juro que alguém vai se machucar.

Não, e ele não pode saber o que eu fiz. Porque apesar de me sentir culpada pelo sumiço da minha mãe, eu não fiz nada mais que isso.

— Erin, o que foi? — Gwen surge do nada, esboçando uma cara de assustada — eu ouvi você gritar, o que ouve?

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