Capítulo 16 - Antes

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Quando você cresce lendo Desventuras em Série você aprende que sempre há um incendiário solto por aí. O Conde Olaf está sempre solto por aí causando incêndios, afinal. Literais ou figurativos. Não é assim que a gente aprende? Vimos os irmãos Baudelaire sempre sofrendo nas suas mãos e sempre tentando desmascará-lo. Os adultos nunca acreditaram, entretanto. Enquanto dirigia, em silêncio tentava associar uma coisa com a outra. Vejamos, minha mãe desapareceu, os pais de Sunny, Klaus e Violet estão mortos. Certo, não vamos ser tão literal quanto a morte. Minha mãe não está morta até encontrarem o corpo certo? Por todo trajeto me questionei se eu, logo eu, estaria sendo vítima de um incendiário; não um literal, é claro. Um inimigo hostil que provoca caos e pânico ao meu redor. Parecia uma ideia bem maluca de criança. Bem, era só uma ideia maluca de criança, até eu chegar em casa e vê-la em chamas.

Teria sido eu?

— Erin, — a voz de Laurel é urgente do outro lado da linha — você está machucada?

Pisco desorientada, não consegui entender muito bem que ela dizia antes.

— Hm... N-não estou, mas a casa... talvez... bem, talvez haja um Conde Ola...

Penso melhor antes fazer menção ao que estava pensando mais cedo; todos parecem me encarar como se eu soubesse de alguma coisa. Eu não tenho certeza se sei. Tento respirar fundo, meu nariz está entupido depois de tanto choro. Ai meu Deus, quando é que isso vai acabar?

— Erin... — ela hesita — havia mais alguém na casa?

— Não, acho que não sei. Eu não estava lá. — Suspiro para não voltar a chorar. Quero ir para minha casa, subir as escadas, me trancar no quarto e me enrolar nos meus cobertores quentinhos. Quero estar no único lugar que eu pertenço. E que não existe mais — É, eu visitar o pap... fui ver a Blair. Senti saudades.

Fico imaginando se Laurel sabe das coisas que eu ouvi mais cedo. Enquanto ela não responde encaro os bombeiros tentarem apagar o fogo. Minha casa está pegando fogo. O que eu vou fazer agora? Há menos de uma hora eu estava em pânico e senti como se o mundo todo estivesse pegando fogo também.

— Onde estão mamãe e Shawn? — pergunta, meio esquisita. Nunca foi o forte da minha irmã falar ao telefone.

Nem o meu.

— Hm, não sei. Acho que Shawn foi embora e a minha mãe... — Faço uma pausa para pensar na melhor forma de dizer que ela fugiu — Acho que...

Olho em volta e consigo ver o que me impede de falar; todos parecem reservar um pouquinho de atenção à nossa conversa. A sra. Whalen conversa com um policial, mas está próxima o suficiente para escutar. Gwen se afastou e agora mexe no celular sentada no degrau da varanda, vez ou outra para e lança um daqueles olhares de desprezo. Eu sei que Seth está dentro da casa preparando o jantar ou colocando Abraham na cama. O único que me encara deliberadamente é Ricky, com o olho roxo à mostra. Sei que ele observa com atenção cada palavra que deixo escapar. Eu odeio esse negocio que ele faz; me sinto nua pelo jeito que ele me olha. Como se lesse minha mente. Encaro de volta; não sei bem como a minha aparência está agora. Não posso ver meus olhos da forma como os outros podem ver, mas eu sinto que eles estão mortos, vazios. Dá para sentir a pena alheia pairando sobre mim. Não me surpreende. Eles estão de olho em mim, Ricky me alerta com um pequeno aceno. Sei que poderia contar tudo à minha irmã, mas não agora. Não é seguro, não com tudo mundo de olho em mim. As coisas que eu fiz, as coisas que fizemos viriam à tona. Chuto o nada e tento não olhar para casa ardendo com toda a minha culpa.

— Acho que eu não sei. Acho que saíram. Não havia ninguém em casa quando saí.

— Então você acha que pode ficar com os Whalen por enquanto? — pergunta meio sem jeito — ou você quer que vir ficar comigo. Quer que eu vá te buscar?

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